Monday, May 19, 2008

Resistência a mudança no processo de desenvolvimento

As abordagens sobre o desenvolvimento apontam uma série de factores que estão na origem da pobreza ou então que afectam negativamente o crescimento de um determinado país. Dentre os vários elementos que desincentivam o desenvolvimento figura o aspecto cultural, significando neste caso, os usos e costumes; os hábitos; a forma de ser e de estar; modos de agir e de pensar, etc.
No nosso país temos muitos exemplos de aspectos culturais que muito provavelmente possam estar na origem do nosso lento desenvolvimento sócio-económico. O exemplo disso podemos encontrar no critério de escolha face as duas operadoras da telefonia móvel a operarem no país. Neste processo podemos optar por vias que nos ajudem a poupar, o que naturalmente conduz-nos a acumulação de capital, ou por vias que nos levam a disperdícios de recursos financeiros.
A questão que se coloca é: quais os motivos que ditam a opção por uma ou por outra operadora? Naturalmente que as respostas podem ser várias: desde o custo dos serviços; a qualidade; o hábito; até a resistência à mudanças; etc.
Quem opta por tarifas baixas de uma operadora pode no entanto ficar refém da má qualidade na prestação dos seus serviços, a não ser que se esteja perante um caso de custos muito baixos para serviços de alta qualidade. Por outro lado podemo-nos encontrar numa situação em que os custos são ligeiramente altos em relação ao primeiro caso, mas compensados com uma qualidade aceitável entre os consumidores dos serviços.
Imaginemos que a operadora com melhor qualidade nos serviços, ofereça uma promoção na qual os seus clientes podem-se comunicar entre si ao valor único de 500 Mt num período de dois meses. Uma promoção que permite falar 24h durante dois meses ao preço de 500 Mt, sendo o preço do pacote ou cartão inicial da operadora não superior a 4 Mt. Diríamos simplesmente que a oferta é tentadora embora os 500 meticais sejam um terço do salário mínimo nacional. Mas para aqueles que fazem chamadas telefónicas no valor de 100 Mt de 3 em 3 dias em média, podem com certeza achar a proposta tentadora. Mas o que acontece é que mesmo assim não se deixam levar pela tentação.
O que a experiência do dia-a-dia mostra é que dificilmente os clientes mudam de uma operadora para outra em busca de melhores serviços, do mesmo jeito que são muito raros os casos em que os clientes mudam-se em busca de melhores preços. Neste último caso nem as promoções contribuem efectivamente para a angariação dos clientes da operadora rival.
Se a justificação para a resistência à mudança é o hábito que se tem numa operadora, quer por outras palavras dizer que os consumidores preferem permanecer com os serviços de baixa qualidade e/ou preços altos porque estão habituados a isso, preferindo não se mudar. Num caso do género e específicamente da promoção de serviços, diríamos que abre-se mão da poupança pelo hábito que se tem em relação à operadora.
O sentimento de pertença a uma operadora de telefonia móvel corresponde de certa forma a identidade reivindicada pelos seus clientes. Estes últimos adoptam para si um sentimento de pertença que simultâneamente condiciona a sua identidade. Uma identidade que se pode comparar aos laços em relação ao local de nascença, ao bairro residencial, ao clube de futebol favorito, etc. É este sentimento que exerce uma pressão psicológica sobre os actores sociais, fazendo da sua operadora de telefonia móvel, a sua religião ou clube de futebol.
Não é pela derrota sofrida que se deixa de ser adepto do clube; não é por se rezar na garagem ou numa palhota que se abandona uma religião; do mesmo jeito que não é pelas estradas esburacadas que mudamos de bairro. O sentimento de pertença a um grupo ou espaço, inculca sobre os actores uma identidade que desenvolve um afecto por vezes não manifesto, e que por sua vez dificilmente condiciona o seu abandono.
A rejeição ou mudança de um traço identitário traz sobre os autores um sentimento de traição ou infidelidade ao seu grupo de pertença, o que pode resultar num sentimento de culpa, tristeza e/ou agonia.
No caso dos clientes das duas operadoras de telefonia móvel em Moçambique ocorre uma situação semelhante que por sua vez acaba numa resistência à mudança independentemente dos benefícios aludidos nas propagandas ou publicidades. Isso não significa porém que ninguém adira a mudança, mas em média os clientes preferem manter-se fiéis às suas operadoras. Ademais o que pode acontecer é que o cliente adopte uma posição de bigamia comercial fazendo uso paralelo dos serviços das duas operadoras. Por outro lado a operadora pode ganhar, pelo seu marketing, clientes fiéis que usam pela primeira vez na vida os serviços de telefonia móvel. Este é apenas um exemplo de resistência a mudança e para além dele existem tantos outros que poderiam por aqui desfilar.
Situações como as que foram anteriormente descritas perfilam nos modos de ser, de agir, e de pensar, alguns deles determinados por questões culturais, sociais, e até psicológicos, que contribuem negativamente para o desenvolvimento do país.
A resistência à mudança é comum entre os actores sociais, mas é preciso realçar que não é possível registar melhorias sem que antes aceitemos mudanças. O próprio desenvolvimento sócio-económico é algo que só se pode alcançar através de mudanças. Estas últimas podem ocorrer a vários níveis para além dos hábitos que ditam as nossas escolhas no mercado. Por fim, diriamos que ter medo de mudanças é o mesmo que rejeitar pacificamente o desenvolvimento.

Thursday, May 08, 2008

A Resposta ao HIV-SIDA: Da visão dos não infectados a visão dos infectados. Duas mãos que podem caminhar juntas para romper com a questão da tradição

Mais uma vez o Rildo delicia-nos com as suas reflexões sobre o dia-a-dia de Moçambique. Leia a sua análise sobre a questão do SIDA.


A fita vermelha é um símbolo da solidariedade pelas pessoas infectadas com o HIV e por aquelas que têm de viver com SIDA. A solidariedade com os infectados pelo HIV deve começar com o envolvimento destes na elaboração dos relatórios, documentos relativos ao HIV-SIDA, na partilha e auscultação de ideias e opiniões sobre a pandemia. Este envolvimento dos seropositivos em respostas relativas a pandemia deve ser adequada aos seus respectivos contextos.
Recentemente acaba de ser lançado o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano 2007 com o título Desafios e Oportunidades: A Resposta ao HIV e SIDA, um documento muito rico em informações sobre HIV-SIDA. Apesar disso o mesmo documento parece que tenta tratar o problema do HIV-SIDA de uma forma muito homogénea em relação ao território moçambicano.
Nota-se ao longo do relatório não haver nenhuma preocupação com o perfil sociológico dos infectados a nível da região, província e distrito. Há pouca informação em relação a estatística distrital sobre o HIV-SIDA. Esta situação tem levado que se perca de vista a localização do problema, pois se estaria a caminhar para um falso combate.
Verifica-se ainda um maior centralismo no aconselhamento do doente infectado em detrimento da família, médicos, enfermeiros, etç. O cometimento da família é essencial na maneira como a comunidade ira olhar para o doente infectado e também na maneira como o doente infectado pode estar aberto para falar do assunto sem receio de ser descriminado.
Um amigo meu seropositivo disse-me num belo dia que a sua família foi a primeira a estar do seu lado, hoje ele é uma pessoa aberta para falar do HIV-SIDA dizendo claramente que padece da doença e que as pessoas devem prevenir, o que mais me impressionou é realmente constatar que a família o trata como uma pessoa normal e as pessoas estão atentas a forma como a pessoa é tratada na família para dai tomarem um comportamento, hoje as pessoas tratam como uma pessoa normal sem descrimina-lo.
Este exemplo pode ser muito útil para o Ministro da Saúde, que sem apelos mandou “encerrar” ou “integrar” os Hospitais dias em todo país nos serviços nacionais de saúde, alegando que o mesmo fomentava a descriminação dos seropositivos, e também pelo facto de se pretender conferir o mesmo tratamento a todos os doentes. Acho que deveria-se antes de tudo consultar os próprios utentes do hospitais dias para percebermos se eles eles de facto sentiam que estavam a ser cada vez mais descriminados pelo facto de utilizarem esta unidade hospitalar ou ainda discutir com eles quais percepções os mesmos possuem da sua integração no SNS . Isto também pode significar envolvimento dos seropositivos no combate ao HIV-SIDA, para não cairmos unilateralmente na visão dos não infectados.
Acho precipitada a ideia de “encerramento” ou nova integração dos hospitais dias nos serviços nacionais de saúde, pois quem descrimina são as pessoas e não a infraestrura, isto significa que o que aconteceu foi simplesmente a transferência do problema para um outro local e não a sua solução. Pois os mesmos funcionários que trabalhavam nesses hospitais dias passarão para outro local, as pessoas continuarão com medo de fazer testes de HIV-SIDA nas suas cidades, por temerem serem revelados pelo pessoal de saúde da sua condição de seropositivo a outras pessoas sem o seu consentimento.
É preciso romper com a ideia de que só o doente é que precisa de aconselhamento, pois a experiência tem mostrado que o pessoal médico, enfermeiros, pessoal de aconselhamento nas ATS, hospitais dia (ora extinto) devem ser frequentemente aconselhados sobre o seu papel no combate a pandemia.
Tem sido muito avançado por peritos em matéria de HIV-SIDA sobre a responsabilidade das práticas tradicionais (medicina tradicional, ritos de iniciação, cerimonias tradicionais) em detrimento das práticas modernas. Tradição e modernidade, trata-se manifestamente de uma forma dualista de abordar os problemas do subdesenvolvimento e do desenvolvimento. Por agora interessa reflectir a conotação ideologica que adquiriu o conceito de prática tradicional.
O conceito de prática tradicional é contraposto a mutação, como se a própria tradição não tivesse sofrido um golpe,não tivesse experimentado uma mutação. As práticas tradicionais são encaradas como uma ordem distinta, uma entidade independente que se rivaliza a uma força contrária como um impedimento, em vez de entende-las como um processo dinamico.

Não se pode hoje conceber a tradição em Africa como uma realidade que se basta a si própria-há muito que esta realidade foi desordenada, não é já a ordem principal, nem a ordem motora. As práticas tradicionais não suportam a intromissão das ordens modernas. Os indivíduos já não se orientam no quadro das práticas tradicionais,mas pelo contrário também nas práticas modernas. Na maioria dos círculos academicos ainda se resiste a semelhante ideia de escapar as dificuldades de ter de analisar as praticas da modernidade efectivas da nossa sociedade.
Isto deve-se ao facto de ser confortavel tratar as práticas tradicionais como entidade que tende a transformar-se de acordo com as pretensões da modernidade. Devemos começar a desmistificar muitos aspectos da sociedade moderna ou das práticas da modernidade que aceitamos sem discussão, mostrando-nos até que ponto levamos connosco ideias de «natureza humana» e de «verdades evidentes» que perduram apenas porque foram incorporadas sem uma análise de um passado perdido, alem de serem bastante comodas para certos individuos nos nossos dias.
Comecemos a dar maior atenção as práticas modernas tanto nas cidades como nos pólos de desenvolvimento, colocar outros “pares de lentes” para podermos captar outras coisas (enxergar como se integram realidades bem modernas na problemática do HIV/SIDA, por exemplo no distrito de Massinga na província de Inhambane, para não cairmos num ciclo vicioso de ver a questão no âmbito da tradição. A realidade alerta-nos para revermos o aspecto do pessoal de risco!!