O sucesso ou retrocesso dos nossos projectos pessoais; o alcance ou não das metas que tanto almejamos, as brilhantes e as péssimas carreiras profissionais, etc. tem quase sempre uma certa correlação com os nossos valores e fundamentalmente como nos relacionamos com os superiores hierárquicos (SH). Esta hierarquia não se cinge apenas ao fórum laboral mas também em varias esferas da estratificação social. Por exemplo na esfera do desporto e cultura seriam os nossos superiores hierárquicos os bem sucedidos, os mais populares e detentores de várias medalhas e prémios. Na economia, seriam, como se poderia esperar, os detentores de fortunas e propriedades de atiçar cobiça a qualquer um. Na religião e na politica, teríamos na hierarquia mais alta os lideres carismáticos que granjeiam simpatia das massas ou mesmo dos seus fieis. No local de trabalho temos naturalmente os que conduzem os destinos da nossa instituição e trata-se fundamentalmente daqueles à quem nos subordinamos. Em traços gerais é esta a ideia que devemos ter sobre os nossos SH (dispostos em diferentes campos sociais) que podem influenciar positiva ou negativamente na consecução dos nossos desideratos dependendo dos valores que orientam o nosso relacionamento para com os mesmos.
Existe uma ideia que convém clarificar de modo a mitigar equívocos a posterior; trata-se dos valores sobre os quais nos servimos rumo a interacção estabelecida com aqueles que ocupam as esferas mais privilegiadas da estratificação social. Neste caso particular estaríamos a falar do nosso posicionamento e/ou das nossas opiniões sobre o que é melhor e/ou pior, bom e/ou mau, etc. no relacionamento com os SH. Na parte que se segue procuramos reflectir sobre a bajulação tomando em consideração não apenas o seu lado ético e moral, mas também o seu carácter eminentemente racional tomando em consideração o seu impacto no desenvolvimento sócio-económico de um país.
Pode não constituir novidade a ideia segundo a qual o profissional exemplar seja aquele que se isenta de partilhar a vida privada com o chefe; aquele que não procura saber sobre o estado de saúde, ou mesmo sobre o final de semana deste. Um profissional que não pede sugestões, conselhos e opiniões sobre o seu relacionamento conjugal a não ser por iniciativa do SH. Prosseguindo nesta linha de ideias diríamos que neste perfil enquadram-se os que pautam apenas pela realização e cumprimento das suas actividades, responsabilidades e obrigatoriedades rotineiras patentes nos seus termos de referencia contratuais. Ao contrario disso é valido para a figura do bajulador.
A concepção de um mau profissional reside portanto nos valores que orientam-no a convidar o chefe para a sua cerimonia de baptizado, aniversário natalício, ou mesmo a inauguração da barraca no Xipamanine; porém importa olhar para esta acção de forma diversa do que chamaríamos de simpatia. Importa frisar que o adjectivo usado para qualificar este perfil de profissionais serve apenas aos bajuladores não sendo extensivo as restantes categorias dos não excelentes. Assim, diríamos que existem também os que mesmo não sendo bajuladores, não detém o domínio técnico das obrigatoriedades laborais a si imputadas; existem igualmente os que não cumprem com zelo (mesmo tendo domínio) das obrigatoriedades que lhes são atribuídas, etc. fazendo deles profissionais não excelentes. Para chegarmos a outra face da bajulação vamos portanto distinguir algumas categorias de actores engajados na labuta por intermédio das instituições a que se encontram filiados.
Na categorização profissional da massa laboral podemos encontrar os que não tem domínio técnico e nem-se quer optam pela bajulação como um valor a tomar. Existem também os que não tendo o domínio técnico optam pela bajulação como escudo protector da sua incompetência; temos igualmente os que são tecnicamente excelentes mas que se distanciam da bajulação e por último os que fazem uma espécie de combinação perfeita entre a bajulação e a competência técnica da qual ostentam. Apoiando-se no raciocínio de Kastersztein, – cientista social francês da actualidade - Conceição Pinto (socióloga portuguesa) debruça-se sobre três estratégias de integração social, duas das quais se ajustam aos perfis dos profissionais anteriormente descritos.
No primeiro caso, ora aludido, o actor que reconhece as suas insuficiências técnicas convence-se de que a melhor maneira de sair impune seria usar a instituição a seu favor, escondendo-se no anonimato e passando despercebido por qualquer um dos colegas, fundamentalmente para o SH. Em razão disso e' que se opõe a bajulação como um valor a cultivar, pois esta o tornaria exposto, e usando a expressão popular; “propenso a que deixasse cair a sua mascara a qualquer momento”.
Uma segunda estratégia de integração social captaria de forma idêntica as três seguintes categorias de profissionais. Reconhecendo por exemplo as fraquezas que o impeçam de cumprir efectivamente com os termos de referência pelos quais foi contratado, o agente pode desenvolver comportamentos que visam granjear a simpatia daqueles que podem ditar a sua manutenção ou exclusão da instituição à que se encontra vinculado. Para estes a bajulação é um valor que poderá orientar o seu relacionamento com os SH. Por outro lado, os que se julgam suficientemente capazes de responder às suas obrigações técnicas, tem a convicção de estarem suficientemente integrados ao ponto de não necessitarem da bajulação para o efeito. No entanto investem significativamente na competência profissional como o garante da sua estabilidade contratual. Finalmente temos o caso daqueles que combinam a competência técnica à social como forma de garantir a sua integração na instituição. Aqui fizemo-lo propositadamente o facto de considerar a bajulação como sinónimo da competência social. Por outras palavras estamos atribuindo à esta acção, se quisermos no termo vulgar, de puxa-saquismo ou lambe-botismo, um carácter bastante racional.
Importa abrir aqui um pequeno parentes para referir que num Estado meritocrático provavelmente a necessidade de apostar pela bajulação seja de per si pouco relevante, contrariamente a um Estado com politicas laborais diferentes.
A bajulação é portanto uma acção suficientemente racional na medida em que os seus aderentes, parafraseando Weber, orientam os seus meios aos fins que pretendem almejar. À isto chamamos de acção racional com relação a fins ou então acção teleológica. Nesta os agentes sociais reúnem os meios que julgam mais adequados à consecução das suas metas, e à partir daí orientam todo o processo da sua interacção social.
No caso dos bajuladores, importa reconhecer neles uma elevada capacidade de empatia no sentido de conquistar a simpatia dos respectivos SH. Este exercício requer a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir-se como ele supostamente se sente. Embora pareça simples, digamos que exige algum esforço mental no sentido de adequar os meios aos fins.
A empatia supra-indicada implica reconhecer que “tanto quanto eu, o outro ficaria satisfeito perante um elogio”; perante a percepção de que alguém se preocupa com o seu bem estar, alguém dá valor as suas ideias e opiniões, etc. Tomemos em conta que nesta empatia facilmente desenvolvemos um sentimento e tratamento especial para o agente de quem achamos se importar connosco. De uma ou de outra forma a bajulação toma em conta estes elementos como pontos basilares da sua filosofia.
Conforme nos referimos a pouco, na acção teleológica procuramos reunir os meios que julgamos serem mais adequados aos fins que almejamos. Neste tipo ideal encontramos desde a atitude do professor que procura a metodologia mais apropriada para o ensino e aprendizagem da sua disciplina; o médico que procura aplicar o fármaco com menor possibilidade de efeitos colaterais no processo de cura, e os profissionais que encontram na bajulação a melhor estratégia de integração na instituição da qual fazem parte. Todos eles agem racionalmente em busca da consecução dos seus objectivos e metas. Mas porque nem sempre os meios que achamos serem os mais apropriados para as metas que almejamos efectivamente o são, ou seja oferecem alguma margem de erro devido as limitações da própria natureza humana; Vilfredo Pareto, um sociólogo italiano, chamou de acção não-lógica à todas essas tentativas de ajustar os meios aos fins. Mas sem nos querermos perder nesta discussão teórica sobre acção racional e acção não-lógica, importa apenas realçar o centro desta reflexão que se assenta na tentativa de mostrar esta outra face da bajulação.
Dependendo da forma como fazemos o uso desta estratégia de integração social, ela pode acarretar uma repulsa por parte dos nossos espectadores. Em alguns casos, esta investida atropela alguns preceitos dos valores éticos e morais do contexto em que o autor se encontra. Não é por acaso que os bajuladores, não sua maioria são conotados com uma série enorme de atributos pejorativos. Por detrás disso está por exemplo a atitude que consiste em comentar sobre as fraquezas técnicas dos colegas; apontar os aspectos negativos no atinente as suas responsabilidades laborais, etc. como forma de conquistar a simpatia dos SH.
No inicio deste texto tentamos mostrar uma provável correlação entre o sucesso ou retrocesso dos nossos interesses pessoais com a forma sobre a qual orientamos o nosso relacionamento com os SH.
Embora caricato, parece que muitas vezes os bajuladores são os que mais brilham na sua carreira profissional ascendo gradativamente e por vezes de forma vertiginosa às hierarquias mais nobres da sua instituição. Contrariamente a isso, os técnicos que apostam unicamente na competência profissional como estratégia de integração, podem não prosperar como os primeiros vendo assim as suas expectativas goradas. Nesta ordem de ideias diríamos que os mais avantajados seriam os que conseguem de forma meticulosa acasalar a competência técnica a social.
A moral e a acção racional teleológica
Na secção anterior dissemos que muitas vezes a bajulação era desdenhada por associar-se fundamentalmente ao contra-censo dos valores morais e éticos, mas importa referir que nem por isso ela perde o seu carácter racional. Quando se trata de ajustar os meios aos fins, é comum que os valores de consenso no nosso espaço de pertença possam ser atropelados.
Quando os fins justificam os meios não há moral que impeça a consecução do nosso desiderato, buscando a expressão mais popular: “passamos por cima de tudo e de todos para o alcance dos nossos objectivos”. Na sua maioria a bajulação é orientada neste diapasão; talvez seja esta a pedra angular da acção racional teleológica.
Muito antes de Weber, um outro intelectual alemão, Karl Marx, percebeu a dinâmica deste tipo de acção que se orienta com relação a fins. Foi na sequência disso que deu o exemplo do Bom Capitalista (preocupado em agradar aos súbditos) que acabou por falir de tanta benevolência salarial para com os seus operários. O ponto é que a lógica do próprio capitalismo implica a violação dos preceitos morais para maximizar de forma pujante os lucros que o sustentam. Para tal implica a exploração de todas as energias possíveis da massa laboral na produção de bens de consumo, em seguida remunera-los com ordenados mais baixos possíveis. Do ponto de vista ético há muito que se contrapor à esta lógica mas importa salientar que a minimização dos custos de produção e a maximização dos rendimentos implica a exploração de uma mão-de-obra-barata e consequente continuidade deste sistema de produção. De igual forma, não raras vezes, a bajulação como estratégia de integração social contrapõe-se aos valores morais, como garante da sua eficácia.
Embora susceptível a várias críticas o desenvolvimento de um relacionamento que toma em consideração a empatia com os SH continua sendo uma alternativa a competência técnica no seio das estratégias de integração social.
Uma questão a não perder de vista procuraria indagar o seguinte: Será impossível uma bajulação que não ponha em causa os preceitos éticos e morais? Deixarei em aberto esta questão de forma a suscitar algum debate.
Os espinhos da bajulação
Vezes sem conta temos vindo a evocar os adágios populares para catapultar a percepção da ideia que se pretende veicular; no entanto esta não seria a excepção. “Nem tudo o que brilha e' ouro”, reza assim uma velha expressão popular.
Se por um lado a bajulação granjeia as expectativas dos seus aderentes, importa rever o seu impacto para a sociedade em geral e se quisermos, para o desenvolvimento sócio-económico de um país. É que por vezes ela tem um efeito hipnótico e nesse diapasão as principais vitimas são os SH. Ao desenvolverem simpatia pelos indivíduos visados estes últimos perdem de vista a ideia segundo a qual na instituição que dirigem deveria-se primar pela competência técnica antes da social.
Por uma questão de coerência, nos termos de referencia são exigidos dos contratados apenas a competência profissional, raras ou muito poucas vezes faz-se menção a competência social. Mas como se mencionou há pouco o efeito hipnótico pode fazer com que as posições mais altas da hierarquia institucional sejam ocupadas por aqueles que mais mostram a competência social em lugar da técnica. Ora é relativamente fácil prever as consequências deste cenário embora com o risco de se cair em futurismos infrutíferos.
O poder de decisão quando distanciado da competência técnica pode ser crucial para a consecução dos fins e objectivos da instituição. A acomodação de uma ideia que conduza os destinos da instituição deve ser feita mediante o crivo da razão ante a influencia emotiva da qual o SH possa ser vitima.
Uma bajulação que visa acomodar simultaneamente os interesses pessoais e institucionais vê-se capaz, em principio, de chamar atenção ao SH sobre as consequências negativas da sua decisão. Ao contrário deste protótipo bajulatório o profissional vê-se impelido a elogiar e repetir em tom alto as ideias dos seus superiores, mesmo quando consciente da sua falácia. Neste caso a busca pela realização dos interesses pessoais predispõe-no a sacrificar os interesses da instituição.
A bajulação quando associada ao egocentrismo pode-se constituir num perigo não só para a instituição mas também para o sistema como um todo, pondo em causa o desenvolvimento do próprio país. Por exemplo; um conselheiro político ou assessor do ministro ao pretender manter a sua posição na hierarquia institucional, a sua bajulação pode ser mais altruísta quando associada a sua competência técnica. Isso implica estar em condições de discordar de certos posicionamentos do SH e convencê-lo na base da argumentação sobre respectivo impactos negativos. Isso não lhe impede, de modo algum, a desenvolver comportamentos que conquistem a simpatia daqueles que ocupam posições imediatamente superiores. Isso seria o que chamamos de combinação entre as duas competências – a técnica e a social.
A aliança entre estas duas, pode contribuir para a integração social do sistema como um todo, na medida em que perfaz as aspirações do sujeito quanto as da instituição. Aqui se encontra um grande desafio daqueles que conduzem os destinos de quaisquer agremiação. Tomar em consideração o perfil do seu subalterno com base nas quatro categorias de bajulação que enunciamos, e face a isso optar ou em prol da consecução dos fins eminentemente pessoais (deixando-se hipnotizar) ou do sistema no seu todo (premiando os que fundem as duas competências).