Wednesday, May 18, 2005

Quando o macaco não sabe dançar, diz que o chão está torto


O desenvolvimento de Moçambique é o objectivo e sonho de qualquer cidadão sensato que tem algum orgulho pela sua pátria. Este é um dos motivos que leva a quase todos os cidadãos comprometidos com os destinos do país, a encontrarem dentre as várias teorias de desenvolvimento, as que melhor se ajustam a nossa realidade.
Já esteve na moda a teoria das aldeias comunais, e das cooperativas de consumo, como uma estratégia para levar o país rumo ao desenvolvimento almejado; já esteve também na moda e pelos vistos até mesmo agora, o ajustamento estrutural, e talvez outras que não estão ao nosso alcance.
A primeira moda escolhida para o desenvolvimento do Moçambique independente, sucumbiu, causando a falência de várias empresas estatais, e desembocando naquilo que os economistas chamam de maior procura e menor oferta. Por outras palavras as pessoas tinham mais dinheiro do que os produtos existentes no mercado local. Neste caso há que indagar: de que vale tanto dinheiro quando não há como usá-lo? A moeda nacional tinha um peso significativo face ao dólar, apesar da fraqueza da nossa economia, algo veemente deplorado pelos economistas.
Quem não se lembra das enormes bichas para a compra de carne de vaca, no talho. Quem não se lembra quando durante a bicha as pedras ou sacos velhos substituíam ao vizinho que ia comprar o sumo Loumar para completar o rancho para o Natal?
Há quem diga que com o regresso à casa, dos nossos irmãos hoje apelidados de madjermanes, muita coisa mudou. Começamos a ver filmes de Jack Chan (não sei se é assim que se escreve) e do mestre Shao-Lin. Começamos igualmente a desfrutar de aparelhagens sonoras de marca RFT, que abafavam o tradicional Chirico Festa. Os congeladores vieram à casa, os fogões, e muitos outros electrodomésticos em falta no mercado local começaram a aparecer e ao mesmo tempo a despertar um novo modus vivendi entre os moçambicanos.
A segunda moda acima mencionada, também trouxe os seus podres. O ajustamento estrutural, implicava muitas privatizações, e acima de tudo estimulava a economia de mercado. A consequência disso tudo foram os despedimentos maciços em muitas empresas. Muitos trabalhadores ficaram desempregados. Se no quadro do pessoal de uma empresa estatal do tempo de Samora precisava-se de um pintor e um jardineiro, o privado na gestão das empresas orientadas pela nova moda, não precisava de um trabalhador que labutava apenas uma vez por semestre ou por ano; passando o resto dos dias jogando ntchuva e o baralho no posto de serviço. Era tecnicamente interpretado como um desperdício de recursos. Para o trabalho de jardinagem e pintura, basta contratar à alguém na hora certa e no momento certo de modo a evitar desperdícios nos salários mensais.
Como se pode ver, as principais vítimas do ajustamento estrutural, foram as camadas mais desfavorecidas do país, o que de certa forma perpetuou a hipótese segundo a qual os mais ricos tornavam-se cada vez ricos, enquanto que por outro lado os mais pobres tornavam-se cada vez pobres.
De modo a evitar longas demoras no processo de privatizações, e cumprir-se com os prazos estabelecidos pelo Banco Mundial e o FMI, muitos processos foram seguidos de forma informal, beneficiando a elite no poder. Desta feita, muitas empresas estatais alienadas foram parar nas mãos de uma elite constituída pelas grandes figuras políticas do partido no poder, segundo refere Joseph Hanlon(2002), autor de Are donors to Mozambique promoting corruption? Este último elemento agravou a cultura da corrupção no país, o crime organizado, e acima de tudo o gangstarismo, que até hoje é uma inimigo difícil de combater.
Apresentamos as falhas das modas de desenvolvimento escolhidas para nortearem o sucesso de Moçambique. As suas falhas podem ter várias explicações que neste momento não estaríamos em condições de encontrá-las na totalidade. A mais próxima explicação que encontramos, pode ser o não ajustamento entre a moda e a realidade do país.
Na abertura do ano lectivo na Universidade Eduardo Mondlane, uma das grandes figuras do actual Governo, afirmou peremptoriamente que para o desenvolvimento do país a UEM deve apostar nos cursos que estimulem o desenvolvimento do país. Com efeito enumerou algumas áreas como a Agricultura, Indústria, Infra-estruturas públicas, entre outras. Lamentou deste modo que cerca de 60% dos cursos na UEM estarem virados para as Ciências Sociais e Humanas. No nosso ver o membro do governo levantou um falso problema.
O que se pretendia dizer nas palavras do referido quadro do Governo, é que ao invés de se equilibrarem as prioridades tanto para as ciências sociais como para as ciências nomotéticas, deviam dar maior vantagem à estas últimas em detrimento das primeiras. Este é um pensamento vulgar e que os cientistas sociais chamam de senso comum. Será esta, a nova moda de desenvolvimento escolhida pelo novo Governo? Oxalá que não.
Falamos de senso comum, porque não é frequente que um grande académico ou mesmo intelectual pense da maneira supracitada. Quem pensa nesses moldes é o cidadão pacato e desenformado.
Numa entrevista que a Taboo, um dos membro do grupo americano de hip hop – Black Eyed Peas – concedeu a revista BRAVO, dizia ela que se pudesse governar o mundo mandava todos os políticos para o inferno. Segundo ela, os políticos fazem demasiadas asneiras e ninguém os pode deter. Acrescenta ela que o seu lema seria: pessoas inteligentes ao poder.
O problema do desenvolvimento deve ser equacionado doutra forma. Talvez seria prudente começar a questionar porquê é que os cursos virados para as ciências sociais são os mais procurados pelos candidatos ao ensino superior, comparativamente às ciências exactas. Parece que as coisas vêm de longe. Ora vejamos;
No ensino geral as ciências exactas são leccionadas na base de quadro e giz, o que não devia ser. As ciências experimentais são melhor compreendidas quando demonstradas aos alunos à partir do laboratório, e das aulas práticas no campo de estudo mais apropriado. Não é fácil limitar uma aula sobre a propagação das ondas no vácuo; reacção para a obtenção do trinitro-tolueno; a fotosintese nas plantas; limitados na base de quadro e giz. As formações do Precambrico Superior e do Fanerozoico, que dão origem ao aparato geológico do nosso país só podem ser bem compreendidas com a ajuda de algumas viagens escolares nas aulas de geografia. Talvez seja este o motivo que tem contribuído o fraco aproveitamento pedagógico dos alunos nas ciências exactas. E como consequência procuram enveredar por aquilo que acham compreender com maior facilidade.
O problema da maior aderência às Ciências Sociais, não deve ser resolvido somente pela UEM; esta é acima de tudo a grande responsabilidade do Ministério da Educação e Cultura.
Muitos países desenvolvidos, descobriram desde muito cedo que a interdisciplinaridade é um focal point para o avanço de qualquer economia. Por exemplo, o exército norte americano procura sempre manter nos seus esquadrões uma equipe multidisciplinar, isto é, composta por biólogos, antropólogos, engenheiros químicos, físicos, electrotécnicos, geólogos, médicos, sociólogos, geógrafos, etc. De tal maneiras que consigam se precaver de qualquer eventualidade. Nessas equipas multidisciplinares, conseguem solucionar a maior parte dos problemas que lhes vêm pela frente.
É um erro crasso pensar que a Indústria de papel higiénico não precise de um antropólogo no seu quadro de pessoal, devendo para isso recrutar apenas os engenheiros químicos, e de construção civil. Antes de se instalarem na Ilha de Moçambique por exemplo, o antropólogo pode-lhes mostrar que seria um empreendimento sem muitas probabilidades de trazer retornos; uma vez que os costumes locais não pautam pelo uso maciço do papel higiénico na WC.
O mesmo diria em relação à qualquer indústria ou fábrica como a CDM, a Coca Cola, entre outras.
Muitas vezes quem faz o trabalho prático não é propriamente o engenheiro. No regadio que mantém o canavial de Xinavane por exemplo, não foram os engenheiros quem pegaram em chaves francesas e juntas para montarem toda a rede de tubagem galvanizada. O trabalho prático foi feito pelo pessoal técnico capacitado para o efeito; pessoal esse que poderíamos enquadrar talvez no grupo dos operários. Na maior parte das vezes os engenheiros (que são uma minoria) idealizam e orientam o trabalho, razão pela qual podemos ter uma visão errada se pensarmos que o país tem déficet de engenheiros. O pessoal que põe em prática o projecto idealizado pelos engenheiros é composto por uma maioria que compõe o grosso dos cidadãos moçambicanos.
Muitos técnicos encontram-se deslocados das suas áreas de especialização. Até os indivíduos formados pela Universidade Pedagógica não querem dar aulas, preferindo trabalhos burocráticos para não falar de escritório. Não gostaria de citar casos de agrónomos formados pela UEM que se encontram empregados nos balcões do Banco amarelo.
O que falta no nosso país são os incentivos. Tanto para os que estão ainda a ser formados no ensino geral, como para os recém formados pelas instituições do ensino superior. Estes últimos não são deslocados das suas áreas de especialização, por uma questão de promoção da interdisciplinaridade, antes sim, pela oferta salarial promissora comparativamente a sua área de formação. É neste ponto em que o Governo deve começar a reflectir, ao invés de propalar discursos baratos em pleno meio académico.
Antes de apontarmos a sujeira da casa do vizinho, devemo-nos certificar se não temos sujeira na nossa casa. Senão começamos a inventar explicações que não existem para justificarmos a nossa pobreza moral, e incompetência acima de tudo. É nessa lógica que quando o macaco não sabe dançar diz que o chão está torto.

Thursday, May 05, 2005

Protecção dos deficientes



Sentir-se estrangeiro no seu próprio país, pode-se comparar à experiência de se sentir enteado da sua prória mãe. Normalmente temos esta sensação quando julgamos que não nos dão o devido tratamento que merecemos.
Nós discobrimos uma série de condições que merecemos ter para nos sentirmos enquadrados no devido meio, sobretudo quando lemos a constituição da república. É nesta onde estão patentes todos os deveres, e direitos dos cidadãos moçambicanos. Tais direitos protegem-nos contra eventuais tentativas de depreciação da nossa integridade humana e cívica, razão pela qual torna-se um dever do governo o zelo pela sua aplicabilidade. Quando esta entidade não se torna vigilante pela observação e respeito pelos nossos direitos integros, começamos a sentir-se estrangeiros no nosso próprio país. Sentimo-nos enteados da nossa própria mãe. Talvés seja este o caso vivido em Moçambique.
Fazendo alusão ao artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Com base neste documento ratificado pelo nosso país, cabe aos de direito criarem uma legislação especial atinente aos casos específicos que enfermam a nossa sociedade.
No caso particular dos indivíduos portadores da deficiência, podemos constatar que o seu maior problema esta na discriminação da qual têm sido vítimas. Esta discriminação começa desde a tenra idade, quando são disprovidos de uma educação especial que se adecue ao tipo de deficiência da qual são portadores. A mesma vai-se reproduzindo até a fase adulta, altura esta em que começa a batalha pelo mercado de trabalho. Segundo informações em nosso poder, até o ano 2004 existiam apenas quatro escolas especiais em todo o país, sendo uma delas da ADEMO, e as restantes do Governo. Dentre estas escolas, três encontravam-se na cidade de Maputo, e uma na Beira. Como se pode ver está-se perante uma situação em que a oferta é menor em relação a procura ao nível de um país tão vasto como o nosso. Por esta mesma razão, um dos membros da ADEMO confirmou que na sua escola, tem havido falta de vagas.
Conhecendo estes problemas todos vividos pelos IPDD (indivíduos portadores de deficiência), cabe ao governo criar uma legislação especial que os protege de qualquer tipo de discriminação, penalizando os mentores da mesma. Mas este é um facto quase que inexistente. Os deficientes são protegidos da discriminação como qualquer outro cidadão moçambicano não portador de deficiência. No nosso ver parece uma concorrência desleal, emprestando o termo dos econmistas.
Num manual elaborado pelo MICAS[1](2000), intitulado Responsabilidades do Estado Moçambicano em Relação à Pessoa Portadora de Deficiência nota-se uma tentativa forjada de mostrar que a constituição da república protege aos IPDD. Nisso as interpretações partem do geral para o particular, ou seja, de uma lei abrangente à todo o cidadão moçambicano, para de seguida dizer que como o IPDD é também cidadão, então está incluso. Ademais mostra-se uma concepção muito limitada senão mesmo ofuscada do conceito de deficiência. Neste mesmo manual percebe-se que a ideia tida do deficiente, é do indivíduo que à dado passo da sua vida perde as suas faculdades normais, passando a ser deficiente. Como exemplo disso daria o caso dos militares das FADM, um funcionário acidentado em trabalho, ou na sua viatura, etc. Por esta razão o manual fala muito da reabilitação deste grupo vulneravel. Neste processo, avançam uma série de regalias na assistência médico medicamentosa, e a provável reintegração no mercado de trabalho. Pouco ou nada fala dos indivíduos com doeças congénitas que lhes levam a deficiência desde a tenra idade, como por exemplo o atraso mental, a hipoacusia, tetraplegia; sindrome de west; distrofia muscular; osteogenesisimperfecta, etc. Não quero com isto dizer que existe melhor ou pior deficiêcia que as outras. Apenas que todas elas devem ser tratadas ao mesmo nível. Pouco ou nada se fala também de indivíduos que se viram crescer na condição de deficiente. E acima de tudo dos que se vêm excluidos da sociedade por crescerem sem alguma instrução devido a condição da deficiência em que se encontram. Este é o grupo
que a dado ponto pode-se sentir estrangeiro no seu próprio país, uma vez que não é protegido por uma legislação específica contra a discriminação da qual é vítima.
Célia Regina Vieira Bastos[2] é uma brasileira que nasceu com um problema genético: osteogenesis imperfecta. Ela tem uma estatura de uma criança de quatro anos de idade, aproximadamente 112 cm. Usa um par de muletas canadenses para andar; um par de aparelhos auditivos para escutar; uma cadeira de rodas para caminhadas mais longas; tem uma aste metálica dentro do seu fêmur, com um pequeno arame para sustentar o seu osso; e usa óculos para poder ver. Aos 18 anos de idade já era estudante universitária, algum tempo depois iniciou o seu curso de Mestrado em Química Orgânica, na área de Química de productos Naturais. Depois de muitas batalhas na vida, conseguiu passar por uma selecção rigorosa para professor colaborador de Química Orgânica na Universidade Federal do Ceará, e mais tarde defendeu a sua tese de mestrado em 1982. Seria muito plausível se o governo e a sociedade em geral criassem espaço para que no nosso país tivessemos muitos deficientes bem sucedidos como o exemplo anteriormente evocado.
A não criação de legislação específica para a proteção dos IPDD, pode-se considerar uma violação flagrande dos direitos fundamentais do homem.
O artigo 35º da constituição da República reza que todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política. Neste artigo foram enumeradas várias situações senão mesmo atributos em que os cidadãos estão sujeitos a serem discriminados. Ao se pensar nisso, nem se quer ocorreu aos legisladores que existe a deficiência física ou mental como um outro atributo que torna aos seus portadores grandes vítimas de discriminação. Isto é um exemplo claro que elucida a maneira como dantemão os deficientes são discriminados. No sentido em que foi retratada a questão da igualdade anteriormente elucidada, é como se o problema dos deficientes não existisse, e não fosse nenhuma preocupação para ninguém. Alguém poderia querer rebater este argumento, afirmando que não seria possível enunciar na constituição todos os atributos passíveis de discriminação. Mas isto não é o caso, pelo facto de estar muito claro, que o legislador apontou o maior número possível de atributos discriminatórios que lhe ocorreram em mente, esquecendo assim da deficiência físico-mental. Isto é também uma discriminação do IPDD, e acima de tudo uma violação fagrante dos direitos humanos.
Por sua vez, o artigo 37º da mesma constituição advoga que os cidadãos portadores de deficiência gozam plenamente dos direitos consignados na Constituição e estão sujeitos aos mesmos deveres com resalva do exercício ou cumprimento daqueles para os quais, em razão da deficiência, se encontrem incapacitados. Ora este artigo apenas fala dos IPDD, sem contudo dar-lhes algum benefício que lhes permita concorrer em pé de igualdade com os não portadores de deficiência. No mesmo, pode-se descurar a ideia segundo a qual todos os deficientes gozam dos mesmos direitos dos não deficientes porque todos são cidadãos moçambicanos. Mas esta ideia, não mostra nenhuma protecção à quem tem sido vítima de quase todo o tipo de discriminação e estigmatização. O artigo procura por exemplo, sublinhar que o paralítico não deve cumprir com o SMO devido a sua condição. Naturalmente que isto é obvio; mesmo que o obrigassem a cumprir com tal dever patriótico, o seu desempenho seria talvés considerado irisório. Podemos assim depreender que esta clausula não visa essencialmente proteger ao deficiente, antes sim, pôr de parte os que são considerados inválidos. Neste sentido podemos afirmar que temos uma lei fraca na protecção do deficiente contra todo o tipo de discriminação. Desta forma, estão abertas as possibilidades para se perpetuar a discriminação sobre este grupo vulnerável que até aqui se faz sentir no país.
Apesar de tudo o que foi aludido em materia da legislação que protege o deficiente contra a discriminação, damos uma nota positiva ao governo, ao se preocupar em criar políticas populacionais que protegem o deficiente. Estas políticas tem melhor aspecto comparativamente à legislação.
As políticas de protecção ao deficiente, tanto como as outras políticas populacionais, não têm metas concretas de tal maneiras que nos permitam medir o impacto da sua implementação. Por esta razão crê-se que uma política da população não pode substituir à uma lei. Com uma lei as infracções são facilmente mensuráveis de maneiras que se podem sancionar aos desviantes, atribuindo lhes a pena que merecem; o que é diferente no caso da política para os IPDD. Nestas últimas, o seu indevido cumprimento, pode-se justificar com argumentos retóricos que muitas vezes não dão conta da realidade, e finalmente ninguem paga pelos seus actos.
Neste momento o país precisa de de uma legislação que proteja aos deficientes contra todo o tipo de discriminação a que estão sujeitos. Deste modo estaremos a contribuir para a consolidação da paz, democracia, e direitos humanos; e fazendo com que os moçambicanos tenham orgulho da sua nacionalidade; sentindo-se protegidos pela sua pátria.

booksambo@msn.com
[1] Ministério da Mulher e Coordenação da Acção social
[2] http://www.geocities.com/HotSprings/7455/celia3.html

Liberdade de expressão em Mocambique



É difícil falar de liberdade de expressão sem falar de liberdade de imprensa. Há dado ponto os dois conceitos parecem sinónimos, o que não é o caso. Por outro lado chega-se a usar um conceito no lugar do outro, como se eles fossem sinónimos um do outro.
Falar de liberdade de expressão, implica que o cidadão consiga exprimir publicamente as suas ideias e opiniões sem quaisquer tipo de censura. Deste modo a liberdade de expressão pode ser manifestada através da imprensa, da ciência, e da arte. Neste último veículo pode se fragmentar em literatura, teatro, cinema, pintura, escultura, dança, música, etc. na qual as ideias e opiniões dos cidadãos podem ser publicamente assumidas ou divulgadas.
Apesar da diferença entre os dois conceitos ora aludidos, temos a referir que de algum modo eles se complementam.
A liberdade de imprensa sem a liberdade de expressão é vazia; e a liberdade de expressão sem a liberdade de imprensa é cega. Assim nos posicionamos se admitirmos que a maior parte de informação consumida pelos cidadãos e que de certa forma contribui para a opinião pública, e o modus vivendi dos mesmos, é veiculada pela imprensa.
Nesta comunicação, procuramos de algum modo relacionar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Este último conceito deve ser entendido como a liberdade que o cidadão tem de criar oficialmente algum órgão de informação como o jornal, a rádio, a televisão, etc. A liberdade de imprensa vai mais longe ao permitir ou admitir que o cidadão tenha o direito ao acesso às fontes de informação que o permitam exercer condignamente a sua actividade ao nível da imprensa, bem como a protecção da independência e do sigilo profissional.
Conforme o aludido anteriormente podemos notar claramente a diferença entre os dois conceitos. Sendo assim dá para arriscar a afirmação segundo a qual a liberdade de imprensa em Moçambique tende a notabilizar-se nos últimos anos (apesar de alguns sobresaltos como poderemos apresentar mais adiante) comparativamente a liberdade de expressão. O exemplo disso é o aumento das rádios comunitárias e privadas em FM; o aumento de jornais independentes, e a existência de duas estações televisivas de carácter privado (Miramar, e STV), que se vêm juntar às tradicionais TVM e a RTP África.
Apesar de muitas rádios em frequência modulada, e as televisões privadas não terem uma cobertura nacional, é de louvar a abertura que o governo tem dado ao exercício da liberdade de Imprensa no país. Neste sentido está-se a contribuir de algum modo para o respeito pelos direitos humanos e a constituição da república no seu Artigo 48 que advoga o exercício da liberdade de imprensa. O número 1 deste mesmo artigo reza que todos os cidadãos têm direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, bem como o direito à informação.
Apesar de que Moçambique não tenha ractificado todos eles, são vários os instrumentos internacionais que protegem os direitos à liberdade de expressão. Dentre eles destacam-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem(1948): artigos 18º, e 19º, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789): artigos 2º, 4º, 10º, e 11º; a Convenção sobre a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (1950): artigos 9º e 10º; a Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional (1966): artigo VII; e por último o Pacto dos Direitos Civís e Políticos (1966): artigos 12º e 13º[1].
A morte do jornalista Carlos Cardoso e o fecho do Jornal Metical do qual era proprietário, bem como as ameaças de morte infligidas ao jornalista e director de informação do canal televisivo STV, Jeremias Langa, são um exemplo claro de como até hoje a liberdade de expressão em Moçambique não passa de um sonho.
Num relatório do Comité para a Protecção dos Jornalistas (com sede em New York) elaborado por Yves Sorokobi(2001)[2], admite este, que Cardoso foi morto pelo seu jornalismo investigativo que preocupava algumas figuras do alto poder político, sobretudo quando se fazia acreditar que mais tarde ou cedo denunciaria as redes dos dirigentes corruptos.
Enquanto o Banco Mundial e o FMI admitiam que Moçambique tem uma taxa de crescimento bastante impressionante, sendo assim um exemplo de boa governação para muitos países embaraçados com as políticas de ajustamento estrutural, Cardoso trazia nas suas pesquisas revelações contraditórias. Este último admitia que tal crescimento benéfico à uma pequena elite, não era fruto de boa governação, antes sim, resultado de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, entre outras falcatruas. As suas pesquisas iam mais à fundo ao tentar trazer a tona, redes de desfalques bancários e má gestão dos fundos do erário público.
À 27 de janeiro do corrente ano (2005), Jeremias Langa, foi assaltado na sua própria viatura por dois homens armados que lhe ameaçavam seguir o destino de Cardoso. O argumento de tais ameaças era segundo os assaltantes, o facto do jornalista “falar muito”. Por outras palavras, queriam eles dizer que a sua vítima devia limitar-se de exercer o seu direito de liberdade de expressão. “Interrogado por Repórteres Sem Fronteiras, Jeremias Langa lamentou a apatia da polícia, a qual afirma que os seus serviços perderam a sua queixa[3]”. Cenários como estes vêm comprovar as afirmações de Joaquim Madeira numa das secções parlamentais de 2002.
Numa transcrição directa de um paper apresentado numa conferência para as novas políticas económicas de desenvolvimento, intitulado Are donors to Mozambique promoting corruption? Joseph Hanlon (2002) escreve: In a brave statment to parliament on 6 March 2002, Attorney-General Joaquim Madeira pointed to “ the growing tendancy for illegality to gain supremacy over legality, the dishonest over the honest. He said that “the culture of legality is still a dream, even among leaders who believe they are free or not to respond to requests by the Attorney General’s office. “As part of corruption investigation, Madeira sent requests for information to four ministers – one sent the material requested, one telephoned to say he would not respond, and two did not respond at all. (Madeira 2002)[4]
A liberdade de expressão tanto como a liberdade de imprensa em Moçambique dependem muito da boa vontade política no sentido de procurar respeitar os direitos humanos. Enquanto faltar a vontade política, será difícil ver estes direitos florirem no país. De certa forma garante-se assim uma informação medíocre ao cidadão através dos órgãos de imprensa limitados dos seus direitos.
A liberdade de imprensa, não tem sido respeitada na íntegra se tomarmos em linha de conta o fechamento que certas entidades têm implementado na concessão de informação à imprensa.
A 1 de Março, de 2001, por exemplo, altura em que o caso Cardoso fazia correr muita tinta, o ex-Ministro do Interior, Almerino Manhenje, convidou todos os repórteres de todas redacções de Maputo, a excepção da publicação de Carlos cardoso, o Metical, para um “briefing” no seu gabinete. O ex-Ministro anunciou que tinham sido efectuadas algumas detenções e que a polícia estava em posse de itens usados directa ou indirectamente no crime. Mas segundo o relato da agência noticiosa estatal, AIM, a conferência de imprensa não chegou a durar cinco minutos e o ex-Ministro declinou responder a quaisquer perguntas[5].
Situações em que o próprio governo não se tem empenhado na promoção da liberdade de imprensa e de expressão como parte integra dos direitos humanos, a imprensa sente-se enfraquecida e nalguns casos receosa de pesquisar e levar a verdade aos cidadãos.
Conta Fernando Lima, director do semanário privado Savana, que após a morte de Carlos Cardoso, nenhum jornal substituiu o Metical em termos de qualidade [...] hoje a imprensa de investigação já não existe. Ainda temos um pouco de coragem , mas já não vamos ao fundo dos factos[6].
Com o novo governo, Moçambique parece tomar uma outra face em termos de liberdade de expressão e de imprensa. O exemplo claro disso foram as corajosas reportagens do jornal Embondeiro, um dos semanários independentes, que chegaram ao ponto de apresentar numa das suas edições as alegadas empresas do actual Chefe do Estado, e os valores que elas deviam a banca.
Muito recentemente, a edição do Jornal Vertical datada de 22 de Abril do corrente ano, publicou um documento apresentado em plenária da Assembleia da república pelo deputado da Renamo, Eduardo Namburete, no qual se liam empresas de altas figuras ligadas ao partido no poder, que fizeram o uso indevido dos fundos do Estado, sem contudo conseguirem liquidar as suas dívidas. Tais actos corajosos por parte dos cidadãos coadjuvados pela imprensa, demonstram uma clara batalha pela consolidação dos seus direitos ora violados. Desta forma está-se a envidar esforços no sentido de se exercer a democratização do país pela via da liberdade de expressão.
No dia Mundial da liberdade de imprensa (03 de Maio), O Director Geral da Unesco, Koïchiro Matsuura explicou na mensagem do dia que sem a liberdade de expressão e de imprensa, a democracia não poderá prevalecer, do mesmo modo que as condições para o desenvolvimento tornam-se insustentáveis.[7]
Seguindo os exemplos acima transcritos, a sociedade civil e os cidadãos em geral, devem continuar lutando pela consolidação do direito à liberdade de expressão e imprensa, de modo a contribuírem para uma plena observância dos direitos humanos no país. Nesse sentido o governo Moçambicano está de parabens pelo esforço que até aqui tem evidenciado na matéria.
Num artigo de Filipe Vieira, intitulado A Imprensa Floresceu em Moçambique, recorda, que em Novembro de 2004 o parlamento moçambicano aprovou emendas constitucionais , incluindo artigos alargando a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Um artigo proibindo os jornalistas de efectuar reportagens que possam pôr em causa “os objectivos da política externa e da segurança nacional” foram desde então anulados[8].
Medidas como as aludidas anteriormente são encorajadoras uma vez comparadas à um passado recente em que as condições para o exercício da cidadania, direitos humanos, e democracia eram exíguas.
[1] http://www.dhnet.org.br/oficinas/dhparaiba/5/liberdade.html
[2] http://www.cpj.org/Briefings/2002/moz_may02/moz_may02_Pr.html
[3] http://www.rsf.org/article.php3?id_article=12439
[4] http://dpp.open.ac.uk/profiles/Sheffield%20Moz%20Hanlon.pdf
[5] http://www.cpj.org/Briefings/2002/moz_may02/moz_may02_Pr.html
[6] http://www.rsf.org/article.php3?id_article=8573
[7] http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-URL_ID=18816&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SEC...
[8] http://www.voanews.com/portuguese/Archieve/a-2005-03-15-2-1.cfm?renderforprint=1&text...

Monday, March 21, 2005

Confiança política versus competência técnica

Olhando para o panorama sócio-político em Moçambique, quer me parecer que o governo é formado na base da confiança política. Raramente a competência técnica é tida como o primeiro requisito para a atribuição de uma pasta como a de ministro. Só para exemplificar tenho à me referir que no governo que vigorou de 1999 à 2004, tinhamos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, um médico ao invés de um diplomata; no Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, um veterinário ao invés de um agrónomo; no Ministério do Interior, um piloto, ao invés de um polícia; e assim por diante. Situações como estas repetiram-se no actual governo de 2004-2009. Não quero com tudo isto dizer que a confiança política é de todo inútil. Mas que seja conciliada ao lado técnico. É dificil dirigir bem se não conhecemos as ferramentas de trabalho. É sobre este aspecto que pretendo comentar, de modo a suscitar um debate aos interessados na matéria.
O argumento mais conhecido ou mais difundido (sobretudo de maneira informal ou não oficial) para esta prática alude ao facto de que um indivíduo de confiança será sempre fiel e obediente ao que o nomeou. Isto implica fazer tudo conforme às ordens que lhe forem imputadas. Se este argumento é realmente usado pelos de direito, dá para ver muitos aspectos que se contradizem com o discurso político em voga. Este discurso apregoa a luta contra a corrupção, a pobreza absoluta, o famoso espírito do deixa andar, entre outros.
Ser fiel até ao nível supracitado, implica até certo ponto assumir um papel passivo face aos erros do nosso amo. Porque deixaremos de ser de confiança se apontarmos os seus erros e mostrarmos o perigo que eles constituem para a melhoria do nível de vida dos moçambicanos. Por outras palavras, preferir gente de confiança ao invés de gente competente, significa negligênciar os técnicos, temendo ser magoado com verdades. É neste sentido em que se verifica uma contradição entre o que se promete fazer durante os discursos políticos pré-eleitorais e o que é feito após a tomada do poder.
Segundo Stephen Kanitz – Professor Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, e autor da obra Brazil – The Emerging Economic Boom – o erro que a maioria dos politicos eleitos comete é disconhecer uma das leis básicas da administração: todo cargo, seja público, seja privado, é de total e irrestrita desconfiança. Infelizmente, todo colaborador, por mais amigo que seja, precisa ser tratado com certa dose de desconfiança.
Cargo de confiança é simplesmente um conceito anacrônico, algo do passado pré-gerencial. Num mundo competitivo, todos os cargos, incluindo os do governo, precisam ser de total e irrestrita competência, e não de confiança.
Um governo formado pela confiança política, implica pôr os sapateiros a trabalhar na padaria; os mecânicos na cozinha; e os eletrecistas na machamba. A consequência de tudo isto é óbvia.
Ao invés de termos um governo executivo do seu programa, teremos muito provavelmente um governo estagiário durante o seu mandato. Neste tempo todo os sapateiros não estarão a produzir o pão. Estarão a aprender fazê-lo. Da mesma forma os mecânicos estarão a aprender a cozinhar; e só no outro mandato é que começarão a cozinhar; mas só se aprenderem a cozinhar.
Situações como estas implicam uma paralização no avanço do país por mais cinco anos, o que seria evitável se se apostasse nos técnicos, ou seja nos indivíduos competentes. Por exemplo, um governo apostado em tecnocratas, poderia nomear ao fulano que criou um software para o controle de todas as chamadas telefónicas (telemoveis e telefixos), à pasta de ministro das comunicações. O empenho deste no seu trabalho é movido por um conhecimento de causa sobre o mesmo, o que seria diferente se estivessemos na presença de um caloiro na material.
Alguém poderia dizer que o ministro não executa o trabalho técnico, apenas controla-o para que se alcance as metas previamente traçadas. Mas nem porisso deixariamos de precisar um ministro que entende bem da material. Sai mais em conta um grande padeiro a controlar o trabalho dos seus homens na padaria, do que o mesmo control ser feito por um carpinteiro.
Apropriando-se das palavras de Kanitz poderiamos propor para a solução do problema vivido em Moçambique o seguinte: em vez de se contratar um amigo do peito, selecione-se o melhor e mais qualificado profissional possível para o cargo, independente de conhecê-lo ou não. Em seguida, cerque-se o contratado de controles gerenciais, fiscalização interna, auditoria externa, o que for necessário para manter o pessoal na linha. Se for possível associar as competências técnicas à confiança política, menos mal ainda. Na ausência destas duas pré-condições, é preferível uma competência técnica ao invés de uma simples confiança pessoal ou política.
Os políticos são famosos pela sua retórica, e capacidade de persuasão das massas. Quando fracassam nos seus deveres têm sempre argumentos para-se justificarem. Na fase em que estamos, o nosso país não poderá avançar com desculpas, mas sim com resultados concretos do nosso trabalho, conforme referiu o sociológo moçambicano Elíso Macamo. Apostando na competência técnica estaremos deste modo a evitar contradições entre o que se promete fazer e o que é feito.

Mia Couto, racista?

Na oração de sapiência os intelectuais procuram demonstrar a sua sabedoria, dentro da comunidade académica e aos demais interessados em partilhar dessa sabedoria. O conceituado escritor moçambicano, Mia Couto, é também um intellectual, razão pela qual foi a sua vez de receber o convite para dar uma oração de sapiência no ISCTEM. O seu discurso foi longo mas objectivo. Foi daqueles discursos que põe o dedo na ferida dos outros. E nesse caso muitos foram lesados.
Como se não bastasse, não faltaram reações. Neste momento há quem lhe começa a chamar de racista pelo discurso que apresentou. O ponto fulcral em que se apoiam os que lhe acusam de racista, prende-se com a forte aversão que o ilustre escritor tem face ao conservadorismo extremo. No seu ver este conservadorismo à que nos apegamos hoje, não nos leva ao desenvolvimento do país, e no lato sensus, poderiamos dizer de África. Eu pessoalmente concordo com ele.
Se ele é racista, não será pelo discurso que apresentou durante a oração de sapiência. Será portanto por outros motivos. O que realmente aconteceu é que muitos saíram lesados com as verdades que o Mia lançou para o ar. Como é de habitual, nós os moçambicanos não gostamos de ver alguém que pensa diferente de nós. Quando surge um deles, começamos a procurar um ponto qualquer para o atacar. Ou porque ele mazione e é feiticeiro; ou porque é da Renamo e esses tipo nunca têm ideia; ou porque é branco e logo é racista; ou porque é chingondo e esses não são civilizados, e por aí em diante.
Por mim, o Mia Couto não tem culpa de ser branco. Ele é moçambicano e tem o direito de exprimir as suas ideias. Os ataques pessoais que lhe foram feitos não têm um suporte lógico, razão pela qual considero que tenham sido feitos emotivamente.
Para desenvolvermos o nosso país devemos começar a aceitar críticas positivas, e mudarmos a nossa maneira de pensar como bem disse o nosso escritor.