Thursday, May 05, 2005

Liberdade de expressão em Mocambique



É difícil falar de liberdade de expressão sem falar de liberdade de imprensa. Há dado ponto os dois conceitos parecem sinónimos, o que não é o caso. Por outro lado chega-se a usar um conceito no lugar do outro, como se eles fossem sinónimos um do outro.
Falar de liberdade de expressão, implica que o cidadão consiga exprimir publicamente as suas ideias e opiniões sem quaisquer tipo de censura. Deste modo a liberdade de expressão pode ser manifestada através da imprensa, da ciência, e da arte. Neste último veículo pode se fragmentar em literatura, teatro, cinema, pintura, escultura, dança, música, etc. na qual as ideias e opiniões dos cidadãos podem ser publicamente assumidas ou divulgadas.
Apesar da diferença entre os dois conceitos ora aludidos, temos a referir que de algum modo eles se complementam.
A liberdade de imprensa sem a liberdade de expressão é vazia; e a liberdade de expressão sem a liberdade de imprensa é cega. Assim nos posicionamos se admitirmos que a maior parte de informação consumida pelos cidadãos e que de certa forma contribui para a opinião pública, e o modus vivendi dos mesmos, é veiculada pela imprensa.
Nesta comunicação, procuramos de algum modo relacionar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Este último conceito deve ser entendido como a liberdade que o cidadão tem de criar oficialmente algum órgão de informação como o jornal, a rádio, a televisão, etc. A liberdade de imprensa vai mais longe ao permitir ou admitir que o cidadão tenha o direito ao acesso às fontes de informação que o permitam exercer condignamente a sua actividade ao nível da imprensa, bem como a protecção da independência e do sigilo profissional.
Conforme o aludido anteriormente podemos notar claramente a diferença entre os dois conceitos. Sendo assim dá para arriscar a afirmação segundo a qual a liberdade de imprensa em Moçambique tende a notabilizar-se nos últimos anos (apesar de alguns sobresaltos como poderemos apresentar mais adiante) comparativamente a liberdade de expressão. O exemplo disso é o aumento das rádios comunitárias e privadas em FM; o aumento de jornais independentes, e a existência de duas estações televisivas de carácter privado (Miramar, e STV), que se vêm juntar às tradicionais TVM e a RTP África.
Apesar de muitas rádios em frequência modulada, e as televisões privadas não terem uma cobertura nacional, é de louvar a abertura que o governo tem dado ao exercício da liberdade de Imprensa no país. Neste sentido está-se a contribuir de algum modo para o respeito pelos direitos humanos e a constituição da república no seu Artigo 48 que advoga o exercício da liberdade de imprensa. O número 1 deste mesmo artigo reza que todos os cidadãos têm direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, bem como o direito à informação.
Apesar de que Moçambique não tenha ractificado todos eles, são vários os instrumentos internacionais que protegem os direitos à liberdade de expressão. Dentre eles destacam-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem(1948): artigos 18º, e 19º, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789): artigos 2º, 4º, 10º, e 11º; a Convenção sobre a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (1950): artigos 9º e 10º; a Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional (1966): artigo VII; e por último o Pacto dos Direitos Civís e Políticos (1966): artigos 12º e 13º[1].
A morte do jornalista Carlos Cardoso e o fecho do Jornal Metical do qual era proprietário, bem como as ameaças de morte infligidas ao jornalista e director de informação do canal televisivo STV, Jeremias Langa, são um exemplo claro de como até hoje a liberdade de expressão em Moçambique não passa de um sonho.
Num relatório do Comité para a Protecção dos Jornalistas (com sede em New York) elaborado por Yves Sorokobi(2001)[2], admite este, que Cardoso foi morto pelo seu jornalismo investigativo que preocupava algumas figuras do alto poder político, sobretudo quando se fazia acreditar que mais tarde ou cedo denunciaria as redes dos dirigentes corruptos.
Enquanto o Banco Mundial e o FMI admitiam que Moçambique tem uma taxa de crescimento bastante impressionante, sendo assim um exemplo de boa governação para muitos países embaraçados com as políticas de ajustamento estrutural, Cardoso trazia nas suas pesquisas revelações contraditórias. Este último admitia que tal crescimento benéfico à uma pequena elite, não era fruto de boa governação, antes sim, resultado de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, entre outras falcatruas. As suas pesquisas iam mais à fundo ao tentar trazer a tona, redes de desfalques bancários e má gestão dos fundos do erário público.
À 27 de janeiro do corrente ano (2005), Jeremias Langa, foi assaltado na sua própria viatura por dois homens armados que lhe ameaçavam seguir o destino de Cardoso. O argumento de tais ameaças era segundo os assaltantes, o facto do jornalista “falar muito”. Por outras palavras, queriam eles dizer que a sua vítima devia limitar-se de exercer o seu direito de liberdade de expressão. “Interrogado por Repórteres Sem Fronteiras, Jeremias Langa lamentou a apatia da polícia, a qual afirma que os seus serviços perderam a sua queixa[3]”. Cenários como estes vêm comprovar as afirmações de Joaquim Madeira numa das secções parlamentais de 2002.
Numa transcrição directa de um paper apresentado numa conferência para as novas políticas económicas de desenvolvimento, intitulado Are donors to Mozambique promoting corruption? Joseph Hanlon (2002) escreve: In a brave statment to parliament on 6 March 2002, Attorney-General Joaquim Madeira pointed to “ the growing tendancy for illegality to gain supremacy over legality, the dishonest over the honest. He said that “the culture of legality is still a dream, even among leaders who believe they are free or not to respond to requests by the Attorney General’s office. “As part of corruption investigation, Madeira sent requests for information to four ministers – one sent the material requested, one telephoned to say he would not respond, and two did not respond at all. (Madeira 2002)[4]
A liberdade de expressão tanto como a liberdade de imprensa em Moçambique dependem muito da boa vontade política no sentido de procurar respeitar os direitos humanos. Enquanto faltar a vontade política, será difícil ver estes direitos florirem no país. De certa forma garante-se assim uma informação medíocre ao cidadão através dos órgãos de imprensa limitados dos seus direitos.
A liberdade de imprensa, não tem sido respeitada na íntegra se tomarmos em linha de conta o fechamento que certas entidades têm implementado na concessão de informação à imprensa.
A 1 de Março, de 2001, por exemplo, altura em que o caso Cardoso fazia correr muita tinta, o ex-Ministro do Interior, Almerino Manhenje, convidou todos os repórteres de todas redacções de Maputo, a excepção da publicação de Carlos cardoso, o Metical, para um “briefing” no seu gabinete. O ex-Ministro anunciou que tinham sido efectuadas algumas detenções e que a polícia estava em posse de itens usados directa ou indirectamente no crime. Mas segundo o relato da agência noticiosa estatal, AIM, a conferência de imprensa não chegou a durar cinco minutos e o ex-Ministro declinou responder a quaisquer perguntas[5].
Situações em que o próprio governo não se tem empenhado na promoção da liberdade de imprensa e de expressão como parte integra dos direitos humanos, a imprensa sente-se enfraquecida e nalguns casos receosa de pesquisar e levar a verdade aos cidadãos.
Conta Fernando Lima, director do semanário privado Savana, que após a morte de Carlos Cardoso, nenhum jornal substituiu o Metical em termos de qualidade [...] hoje a imprensa de investigação já não existe. Ainda temos um pouco de coragem , mas já não vamos ao fundo dos factos[6].
Com o novo governo, Moçambique parece tomar uma outra face em termos de liberdade de expressão e de imprensa. O exemplo claro disso foram as corajosas reportagens do jornal Embondeiro, um dos semanários independentes, que chegaram ao ponto de apresentar numa das suas edições as alegadas empresas do actual Chefe do Estado, e os valores que elas deviam a banca.
Muito recentemente, a edição do Jornal Vertical datada de 22 de Abril do corrente ano, publicou um documento apresentado em plenária da Assembleia da república pelo deputado da Renamo, Eduardo Namburete, no qual se liam empresas de altas figuras ligadas ao partido no poder, que fizeram o uso indevido dos fundos do Estado, sem contudo conseguirem liquidar as suas dívidas. Tais actos corajosos por parte dos cidadãos coadjuvados pela imprensa, demonstram uma clara batalha pela consolidação dos seus direitos ora violados. Desta forma está-se a envidar esforços no sentido de se exercer a democratização do país pela via da liberdade de expressão.
No dia Mundial da liberdade de imprensa (03 de Maio), O Director Geral da Unesco, Koïchiro Matsuura explicou na mensagem do dia que sem a liberdade de expressão e de imprensa, a democracia não poderá prevalecer, do mesmo modo que as condições para o desenvolvimento tornam-se insustentáveis.[7]
Seguindo os exemplos acima transcritos, a sociedade civil e os cidadãos em geral, devem continuar lutando pela consolidação do direito à liberdade de expressão e imprensa, de modo a contribuírem para uma plena observância dos direitos humanos no país. Nesse sentido o governo Moçambicano está de parabens pelo esforço que até aqui tem evidenciado na matéria.
Num artigo de Filipe Vieira, intitulado A Imprensa Floresceu em Moçambique, recorda, que em Novembro de 2004 o parlamento moçambicano aprovou emendas constitucionais , incluindo artigos alargando a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Um artigo proibindo os jornalistas de efectuar reportagens que possam pôr em causa “os objectivos da política externa e da segurança nacional” foram desde então anulados[8].
Medidas como as aludidas anteriormente são encorajadoras uma vez comparadas à um passado recente em que as condições para o exercício da cidadania, direitos humanos, e democracia eram exíguas.
[1] http://www.dhnet.org.br/oficinas/dhparaiba/5/liberdade.html
[2] http://www.cpj.org/Briefings/2002/moz_may02/moz_may02_Pr.html
[3] http://www.rsf.org/article.php3?id_article=12439
[4] http://dpp.open.ac.uk/profiles/Sheffield%20Moz%20Hanlon.pdf
[5] http://www.cpj.org/Briefings/2002/moz_may02/moz_may02_Pr.html
[6] http://www.rsf.org/article.php3?id_article=8573
[7] http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-URL_ID=18816&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SEC...
[8] http://www.voanews.com/portuguese/Archieve/a-2005-03-15-2-1.cfm?renderforprint=1&text...

1 comment:

MacLord said...

O Poder da Palavra é Implacável.
Anda por aí muita gente que de facto devia ser condenado a permanecer Mudo, até que aprendesse o significado do poder das palavras.

Felicidades.

BB
)O(