Depois de muito tempo ausente, desta vez procurarei entrar em cena coadjuvado por algumas pessoas interessadas na dinâmica deste blogue. Uma delas é o Reinaldo Mendiate que está fazendo o seu doutoramento nos meridianos nipónicos.
Resumo-Comentário de Reinaldo Ernesto João Mendiate
Uma das obras mais influentes do Professor Paul Collier (da Universidade de Oxford) é sem dúvidas o títuto acima, cuja tradução para Português pode ficar “O Bilião de Baixo: Por que os Países Mais Pobres estão a Falhar e o que Pode Ser Feito”. A obra, de 209 páginas, foi editada pela Oxford University Press, e saíu em 2007. Dada a originalidade, profundidade, e pertinência ganhou vários prémios e recebeu excelentes comentários da crítica.
Na primeira parte da obra, Paul Collier constanta que o mundo dispõe, na actualidade, de cerca de 1 bilião de pessoas que vivem na extrema pobreza, quase todos eles em países da África sub-sahariana, América Latina e Ásia. O mais intrigante é que muitos desses países estão a ficar atrasados e, em certos casos, estão mesmo a ficar à margem, divergindo do ritmo de integração global e do desenvolvimento que o resto da humanidade tem estado a usufruir. Paul Collier menciona Haiti, Congo (RD), Afeganistão, Sudão, Guiné-Bissau, Somália, entre outros, como exemplos de Estados (e populações) que se estão a divergir do resto do mundo. É a esse 1 bilião de pessoas a que designa por “bilião de baixo”.
Na segunda parte do livro, Paul Collier identifica algumas “armadinhas”, que podem explicar a gênese e a manutenção dos problemas de fraco crescimento económico e desenvolvimento (nas suas várias facetas) de muitos dos países em que vivem o “bilião de baixo”. Essencialmente, são identificadas 4 grandes “armadilhas”: conflitos, recursos naturais, interioridade com má-vizinhança, e má governação em países pequenos.
A primeira “armadilha” é a de “Conflitos”. Paul Collier reconhece que os conflitos são inerentes a política, mas realça que nos países onde vive o “bilião de baixo”, eles têm formas particularmente violentas, prolongadas, muito onerosas e recorrentes. Paul Collier constanta que cerca de 73% de pessoas a que designa por “bilião de baixo” estiveram há poucos anos em regiões em guerra ou estão mesmo debaixo dela, neste momento. Assim, devido ao círculo vicioso entre as causas da “guerra civil” e da “pobreza”, Paul Collier argumenta que os países pobres têm mais propensão à conflitos civis, tanto mais que economias fracas geram Estados fracos e, por conseguinte, torna-se fácil organizar uma rebelião. À este aspecto, Paul Collier apresenta o conflito no Congo (DR) (que levou Laurent-Désiré Kabila ao poder em 1997), como tendo sido financiado por poucos milhares de dólares, pagos aos soldados que aceitavam ingressar no movimento rebelde.
Relativamente ao carácter prolongado dos conflitos nos países do “bilião de baixo”, Paul Collier encontrou uma forte e positiva correlação entre baixo PIB per capita, na fase inicial dos conflitos, e o seu carácter prolongado. Assim, muitos dos conflitos surgem associados à necessidade de obtenção e controle dos recursos do Estado ou dos recursos localizados em determinadas regiões desses Estados. Por isso, o fim das guerras civis não tem sido sinónimo de fim dos conflitos, que, em geral, permanecem latentes, elevando os riscos de novas sublevações. Paul Collier constanta que uma experiência de ter estado em conflito duplica o risco de nova sublevação nesse grupo de países.
O balanço dos conflitos nos países do “bilião de baixo” é igualmente preocupante e por isso Paul Collier diz que “conflitos civis são o reverso do desenvolvimento”. Diz ainda que, em média, os conflitos civis reduzem o crescimento económico dos envolvidos em 2.3% por cada ano em conflito. Ou seja, se a guerra civil se prolonga por uns 7 anos, o decrescimento económico do país atingirá (em média) uns 15% (sic).
A natureza prolongada dos conflitos exige fontes de financiamento igualmente duradouras. Neste aspecto, Paul Collier menciona que muitos dos conflitos têm sido suportados graças a produção e comercialização de drogas (ilícitas), feitas nos vastos territórios fora do controle das autoridades governamentais reconhecidas. Daí que, de acordo com Paul Collier, guerras civis conferem vantagens comparativas em crimes internacionais e terrorismo. Para isto, exemplifica com os casos de Afeganistão, Paquistão, Guiné-Bissau e Colombia.
A saída para esta “armadilha” está no crescimento económico. Os seus efeitos acumulados vão corroer a base dos conflitos civis, incrementar a diversificação horizontal e vertical das exportações. E tudo isso vai, mais ainda, diminuir a base dos conflitos civis e aumentar o crescimento económico rumo ao desenvolvimento, numa espiral. Dado que muitos dos países onde o “bilião de baixo” vive encontram-se em África, Paul Collier recomenda que o continente se esforce para convergir com o resto da humanidade, apostando em políticas que levem ao crescimento económico e desenvolvimento.
A segunda “armadilha”, uma ironia, tem a ver com os “Recursos Naturais”, recursos naturais de grande valor no mercado internacional. E aqui Paul Collier constanta uma evidência alarmante: a de que perto de 30% do “bilião de baixo” vive em países fartos em recursos naturais de suma importância nas transações internacionais. Fala de exemplos de petróleos da Nigéria, Sudão, Angola, Timor-Leste, Guiné-Equatorial, Gabão; dos diamantes de Angola, Serra Leoa, Congo (DR); da madeira do Gabão, Congo (DR), etc, que, ao invés de catalizar o desenvolvimento, tem estado a fomentar conflitos e estagnação.
Esta segunda “armadilha” é defendida com recurso a quatro argumentos. O primeiro tem a ver com a famosa maldição dos recursos naturais, a chamada “Doença Holandesa”. Aqui, Paul Collier lembra o que aconteceu na Holanda e demonstra que a exportação de recursos naturais leva a sobrevalorização da moeda nacional, e isso aumenta o preço dos bens exportados pelos outros sectores da economia, tornando-os não-competitivos no mercado internacional. Estes outros sectores da economia, ora não-competitivos, poderiam ser um veículo do progresso tecnológico e de diversificação das exportações, mas acabam por ficar menosprezados.
Paul Collier menciona que muitos dos Estados com recursos naturais não têm crescido economicamente porque têm confiado unicamente nas receitas geradas por tais recursos, esquecendo-se de criar uma economia normal, baseada na produção e diversificação de bens, serviços e tecnologias. Neste contexto, Paul Collier serve-se do exemplo da Nigéria que, nos anos 70, foi aniquilando outros sectores produtivos, em especial os de cacau e oleagenosas, situação que empurrou muitos produtores e suas famílias para a pobreza.
O segundo argumento refere que as enormes receitas provenientes dos recursos naturais têm levado a realização de grandes despesas públicas e de investimentos em projectos improdutivos, alimentando redes de corrupção. Paul Collier adverte que quando os preços dessas commodities, baixam no mercado internacional, as economias dela dependentes começam a ter problemas. E aqui cita, de novo, o que aconteceu na Nigéria nos anos 80, em que a qualidade de vida baixou drasticamente assim que os preços do petróleo baixaram no mercado internacional.
O terceiro argumento tem a ver com a relação entre a abundância de recursos naturais e o desempenho das democracias em contexto de paises do “bilião de baixo”. Aqui, Paul Collier apresenta vários argumentos paradoxais: por exemplo, a de que a abundância de recursos naturais nesses países degrada a democracia, muito provavelmente devido a tendência de expansão do sector público por via de excessivos gastos (públicos). Tende a se criar, assim, um “Estado máximo”, imiscuindo-se ainda mais nas vida dos cidadãos. Outro exemplo tem a ver, não com a realização das eleições em si, mas com a forma como se obtém e exerce o poder. Paul Collier chama a atenção ao facto de a abundância de recursos nos países do “bilião de baixo” estar a alterar o modo como as eleições decorrem, com aumento de evidências de casos de subornos a eleitores ou compra de seus cartões, primeiro para votarem em certas candidaturas, e segundo, para impedí-los de votarem nas candidaturas dos adversários. Muito desse suborno é feito à custa dos dinheiros públicos. Em suma, ao invés dos habéis e honestos, em muitos dos países do “bilião de baixo” com abundantes recursos naturais, são os corruptos que ganham vantagens nas eleições.
Em quarto lugar, os enormes recursos financeiros provenientes das exportações de recursos naturais tendem a levar os Estados do “bilião de baixo” a não investirem em instituições de cobrança de impostos e taxas, dado que as receitas do Estado vêm, fundamentalmente, das exportações desses valiosos recursos. E como os cidadãos não pagam impostos, os políticos não encontram motivação suficiente para prestação de conta e gestão pública transparente, fazendo com que muitos dos países do “bilião de baixo” ricos em recursos se transformem em verdadeiras autocracias, onde formalmente há competição política, mas, de facto, há enormes restrições ditadas pela forma do exercício do poder.
A saida para esta segunda armadilha, de acordo com Paul Collier, chapter 9
A terceira “armadinha” é a de “Interioridade com Má-Vizinhança”. Esta “armadinha” descreve o azar dos países que não tem directo acesso ao mar e oceanos. Dependem, pois, de um ou vários vizinhos para poderem comercializar. Portanto, pela “má-vizinhança”, mais do que referir aos outros países igualmente sem acesso ao mar, Paul Collier quer designar, em especial, aos que têm acesso ao mar.
E esta questão da vizinhança é importante para o crescimento económico e desenvolvimento, tanto mais que nesta linha de pesquisa já estiveram muitos outros economistas como Jeff Sachs, Paul Krugman e Tony Venables, perguntando-se sobre “o que teria acontecido se todos os países do mundo tivessem começado no mesmo nível económico, sendo uns do interior e outros com costa”. Paul Collier cita Jeff Sachs como tendo respondindo que “os países do interior teriam metade da taxa de crescimento dos países com costa.” Embora hajam excepções para o continente africano (Botswana), as evidências demonstram que perto de 40% do “bilião de baixo” vive em países sem saída para o mar.
Socorrendo-se de dados colhidos por Tony Venables, Paul Collier afirma que o custo de transporte para as cidades capitais de países sem acesso ao mar eram comparativamente mais elevados do que para as cidades cujos países tinham costa, independentemente das distâncias. Em geral, segundo Paul Collier, os países do interior estão “reféns” dos seus vizinhos com costa, e os seus custos de comercialização dependem do quão o vizinho (com costa) tiver investido em infraestruturas como portos, estradas e pontes, bem como linhas férreas.
Para Paul Collier, Uganda é pobre porque o seu acesso ao mar depende do Quénia, mas as infraestruturas do Quénia estão fora do controle dos ugandeses, dificultando a integração do Uganda no comércio global de produtos que exigem um uso intensivo de transportes terrestes. Ademais, para além de Quénia não se configurar como um bom “corredor” para os produtos ugandeses, nao é, igualmente, um mercado viável, de tal sorte que não poderá se constituír como mercado alternativo para Uganda. Para Paul Collier, estas são algumas das diferenças que existem, por exemplo, entre Uganda e Suíça; ou seja, a Suíça não só usa os excelentes portos e estradas dos seus vizinhos (Itália, França, Áustria ou Alemanha), como também destina parte significativa dos seus produtos à esses mercados.
Paul Collier amplia o azar do Uganda quando enumera todos os seus vizinhos: Quénia (com uma economia estagnada há anos), Sudão (mergulhado em guerra civil há anos), Ruanda (igualmente sem costa e a se recuperar do genocídio dos anos 90), Somália (sem um governo e instituições centrais há quase 20 anos), Congo (RD) (com enormes problemas étnicos e fragilidades governamentais) e Tanzania (com quem já teve um conflito armado nas últimas décadas). Um azar similar afecta igualmente a República Centro Africana.
Integrando outras variáveis na análise, Paul Collier constata que países ricos em recursos tendem a estar numa melhor situação do que os que não os têm, e essa vantagem acentua-se quando há boas políticas de gestão desses recursos, como é o caso do Botswana (com os seus diamantes). Ou seja, se o país não tiver acesso ao mar e for pobre de recursos, as potencialidades de crescimento económico e de desenvolvimento baixam drásticamente. Segundo Paul Collier, todos os países do mundo se beneficiam (mutuamente) do crescimento económico de seus vizinhos, numa média de 0.4%, sempre que o PIB do vizinho cresce em cada 1%. Mas, adverte Paul Collier, enquanto os países com costa servem o mundo, os países sem costa servem os com costa, elevando a média do spillover de 0.4% para 0.7% sempre que o PIB do vizinho (com costa) aumenta em 1%.
A vizinhança com países costeiros com fraco desempenho económico, sem recursos naturais, e sem capacidades técnicas para aproveitar as oportunidades que existem, condenam os países do interior à uma espiral de pobreza. Paul Collier menciona que o continente africano é o mais afectado por esta “armadilha”, tendo em conta que nos outros continentes existem muitos poucos países sem recursos naturais e sem acesso ao mar, simultaneamente. Segundo Paul Collier, 30% de toda a actual população do continente africano vive em países do interior e pobres em recursos naturais.
De novo, olhando para as infraestruturas dos países do continente africano, as desvantagens evidenciam-se. Paul Collier já se referiu que quando o PIB do país costeiro aumenta em 1%, o PIB do país sem costa aumenta em 0.7%. Mas África é diferente neste ponto pois suas infraestruturas (estradas, linhas férreas) foram concebidas para escoar produtos para as antigas metrópoles, de tal modo que os vizinhos não são mercados em sí, são apenas corredores para a saída desses produtos. Não há um mercado intra-africano. Por isso, quando um país africano com costa cresce em 1%, o seu vizinho do interior recebe uns míseros 0.2%, praticamente nenhum benefício.
As saídas sugeridas por Paul Collier para esta terceira “armadinha” são várias, e podem ser resumidas em: reduzir as barreiras ao comércio dos vizinhos para captar e ceder os mútuos benefícios dos spillovers; melhorar as infraestruturas de acesso ao mar, para beneficiar os países sem costa; maximizar a captação de remessas do estrangeiro; atraír investimentos e ajudas ao desenvolvimento, etc.