Por vezes nos questionamos sobre o porquê das desavenças entre pais e filhos, entre amigos, vizinhos, colegas, etc. Esta inquietação resulta quiçá da necessidade ontológica de nos sentirmos em harmonia com o espaço habitual de convivência e relacionamentos interpessoais. A ruptura deste equilíbrio relacional constitui-se num factor de desconforto emocional convertendo-se simultaneamente em conflitos de vária ordem.
Neste texto, pretendo trazer a reflexão os elementos que concorrem severamente para as colisões e tensões nas relações que estabelecemos com os nossos pares. No entanto traria como factor central da análise o conceito de estrutura de valores. Este refere-se ao conjunto de princípios valorativos que orientam o nosso estilo de vida quer no comportamento quer no relacionamento.
Portanto, a estrutura de valores pode variar em função do espaço social, nível de literacia, estrato social de pertença, factores culturais, crenças religiosas e politicas, etc. Nestas esferas sociais encontramos uma diversidade de estrutura de valores que por vezes podem-se entrelaçar na medida em que frequentamos diversos campos sociais no mesmo trajecto biográfico. Assim, cada um dos agentes sociais é dotado de apenas uma e única estrutura de valores – resultante de vários campos sociais que perfazem a sua identidade biográfica - definindo-lhe a forma como se poderá relacionar com os seus pares.
Um equilíbrio relacional prevalece nos casos em que as duas partes encontram-se numa consonância de estrutura de valores, o contrário disso é válido para explicar a maioria dos conflitos interpessoais. Para se compreender melhor vou aqui dar o exemplo de uma díade em conflito resultante da dissonância das suas estruturas de valores.
Imaginemos um casal do qual um dos cônjuges entende que não precisa de exercer alguma actividade remunerada porque o (a) parceiro (a) tem o dever de lhe pagar todas as contas. Digamos que esta percepção resulta da sua estrutura de valores. Por seu turno a outra parte tem uma posição diferente da primeira por achar que ambos devem-se complementar no pagamento das contas e despesas domésticas. A prior estão criadas as condições para o estabelecimento de clivagens durante o relacionamento pelo facto de haver uma dissonância na estrutura de seus valores. É bom salientar que no atinente a este aspecto poderão-se criar conflitos específicos pois ambos não partilham dos mesmos valores. Isso não significa que não se possam complementar noutros valores, aliás, o que lhes mantém como cônjuges é o facto de terem consonância em alguns pontos das suas estruturas de valores.
Os pressupostos valorativos que orientam a nossa acção, não são estáticos, pois mudam no decurso biográfico de cada um dos sujeitos sociais. No exemplo anterior diria que quanto mais elementos dissonantes na estrutura de valores do casal, maior é a possibilidade de conflito e as consequências que disso poderão advir. Partindo dessa conjectura podemos presumir que as cisões num e outro relacionamento são directamente proporcionais ao incremento da dissonância na estrutura de valores entre as partes.
Embora seja difícil fazer previsões infalíveis, este tipo ideal – buscando a terminologia weberiana – pode-nos ajudar a compreender não apenas as cisões ocorridas nas relações afectivas mas também em qualquer que seja a interacção entre dois ou mais sujeitos sociais. Se por um lado torna-se difícil prever com uma dose alta de precisão as roturas na interacção, o mesmo não se pode dizer em relação a previsibilidade de um conflito.
No primeiro caso, a dificuldade resulta no facto do valor tolerância constituir-se num alicerce para a manutenção de qualquer processo interactivo repleto de dissonância na estrutura de valores. Por outras palavras diria que mesmo que a dissonância chegue aos 50% ou mais da estrutura de valores, o sujeito pode tolerar o relacionamento quiçá, na expectativa de que o interagente ou agente de interacção possa a qualquer instante sincronizar os seus valores.
No segundo caso diríamos que o surto de algum conflito é bastante previsível mesmo com a eclosão de surtos ínfimos de dissonância de valores. Na gestão e prevenção de conflito existem três estratégias básicas a serem tomadas.
Em primeiro lugar pode-se optar pela negociação ou cedência em que uma das partes aceita fazer uma reestruturação dos seus valores sincronizando-os ao seu interagente. No segundo caso pode-se optar pela fuga que neste caso corresponderia a rotura ou cisão no relacionamento. Por último pode-se optar pela competição que implicaria a perpetuação do conflito na expectativa de que a outra parte tome finalmente a iniciativa de ajustar os seus valores aos nossos, ou seja substituir parte dos seus valores pelos nossos, criando assim uma sincronia das duas estruturas de valores.
É portanto possível prever e contornar quaisquer natureza de conflitos interpessoais. O grande desafio porêm subsiste na modalidade pela qual nos posicionamos para o efeito. Refiro-me a isto se fizemos um exame racional ou emotivo do contexto interactivo em que nos encontramos, dado que as emoções em muitos casos distorcem a natureza dos factos abrindo espaço para juízos a prior condenados a falácia. Não pretendo fazer destas linhas um receituário para relacionamentos mais saudáveis e/ou equilibrados pois tal tentativa estaria de antemão condenada ao fracasso. Pretendo sim, trazer uma espécie de amuleto para refrear a nossa imaginação como diria Castoriadis – um dos filósofos grego do Séc. XX - em torno das relações interpessoais, as suas significações e o simbolismo daí resultante.
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