Thursday, May 08, 2008

A Resposta ao HIV-SIDA: Da visão dos não infectados a visão dos infectados. Duas mãos que podem caminhar juntas para romper com a questão da tradição

Mais uma vez o Rildo delicia-nos com as suas reflexões sobre o dia-a-dia de Moçambique. Leia a sua análise sobre a questão do SIDA.


A fita vermelha é um símbolo da solidariedade pelas pessoas infectadas com o HIV e por aquelas que têm de viver com SIDA. A solidariedade com os infectados pelo HIV deve começar com o envolvimento destes na elaboração dos relatórios, documentos relativos ao HIV-SIDA, na partilha e auscultação de ideias e opiniões sobre a pandemia. Este envolvimento dos seropositivos em respostas relativas a pandemia deve ser adequada aos seus respectivos contextos.
Recentemente acaba de ser lançado o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano 2007 com o título Desafios e Oportunidades: A Resposta ao HIV e SIDA, um documento muito rico em informações sobre HIV-SIDA. Apesar disso o mesmo documento parece que tenta tratar o problema do HIV-SIDA de uma forma muito homogénea em relação ao território moçambicano.
Nota-se ao longo do relatório não haver nenhuma preocupação com o perfil sociológico dos infectados a nível da região, província e distrito. Há pouca informação em relação a estatística distrital sobre o HIV-SIDA. Esta situação tem levado que se perca de vista a localização do problema, pois se estaria a caminhar para um falso combate.
Verifica-se ainda um maior centralismo no aconselhamento do doente infectado em detrimento da família, médicos, enfermeiros, etç. O cometimento da família é essencial na maneira como a comunidade ira olhar para o doente infectado e também na maneira como o doente infectado pode estar aberto para falar do assunto sem receio de ser descriminado.
Um amigo meu seropositivo disse-me num belo dia que a sua família foi a primeira a estar do seu lado, hoje ele é uma pessoa aberta para falar do HIV-SIDA dizendo claramente que padece da doença e que as pessoas devem prevenir, o que mais me impressionou é realmente constatar que a família o trata como uma pessoa normal e as pessoas estão atentas a forma como a pessoa é tratada na família para dai tomarem um comportamento, hoje as pessoas tratam como uma pessoa normal sem descrimina-lo.
Este exemplo pode ser muito útil para o Ministro da Saúde, que sem apelos mandou “encerrar” ou “integrar” os Hospitais dias em todo país nos serviços nacionais de saúde, alegando que o mesmo fomentava a descriminação dos seropositivos, e também pelo facto de se pretender conferir o mesmo tratamento a todos os doentes. Acho que deveria-se antes de tudo consultar os próprios utentes do hospitais dias para percebermos se eles eles de facto sentiam que estavam a ser cada vez mais descriminados pelo facto de utilizarem esta unidade hospitalar ou ainda discutir com eles quais percepções os mesmos possuem da sua integração no SNS . Isto também pode significar envolvimento dos seropositivos no combate ao HIV-SIDA, para não cairmos unilateralmente na visão dos não infectados.
Acho precipitada a ideia de “encerramento” ou nova integração dos hospitais dias nos serviços nacionais de saúde, pois quem descrimina são as pessoas e não a infraestrura, isto significa que o que aconteceu foi simplesmente a transferência do problema para um outro local e não a sua solução. Pois os mesmos funcionários que trabalhavam nesses hospitais dias passarão para outro local, as pessoas continuarão com medo de fazer testes de HIV-SIDA nas suas cidades, por temerem serem revelados pelo pessoal de saúde da sua condição de seropositivo a outras pessoas sem o seu consentimento.
É preciso romper com a ideia de que só o doente é que precisa de aconselhamento, pois a experiência tem mostrado que o pessoal médico, enfermeiros, pessoal de aconselhamento nas ATS, hospitais dia (ora extinto) devem ser frequentemente aconselhados sobre o seu papel no combate a pandemia.
Tem sido muito avançado por peritos em matéria de HIV-SIDA sobre a responsabilidade das práticas tradicionais (medicina tradicional, ritos de iniciação, cerimonias tradicionais) em detrimento das práticas modernas. Tradição e modernidade, trata-se manifestamente de uma forma dualista de abordar os problemas do subdesenvolvimento e do desenvolvimento. Por agora interessa reflectir a conotação ideologica que adquiriu o conceito de prática tradicional.
O conceito de prática tradicional é contraposto a mutação, como se a própria tradição não tivesse sofrido um golpe,não tivesse experimentado uma mutação. As práticas tradicionais são encaradas como uma ordem distinta, uma entidade independente que se rivaliza a uma força contrária como um impedimento, em vez de entende-las como um processo dinamico.

Não se pode hoje conceber a tradição em Africa como uma realidade que se basta a si própria-há muito que esta realidade foi desordenada, não é já a ordem principal, nem a ordem motora. As práticas tradicionais não suportam a intromissão das ordens modernas. Os indivíduos já não se orientam no quadro das práticas tradicionais,mas pelo contrário também nas práticas modernas. Na maioria dos círculos academicos ainda se resiste a semelhante ideia de escapar as dificuldades de ter de analisar as praticas da modernidade efectivas da nossa sociedade.
Isto deve-se ao facto de ser confortavel tratar as práticas tradicionais como entidade que tende a transformar-se de acordo com as pretensões da modernidade. Devemos começar a desmistificar muitos aspectos da sociedade moderna ou das práticas da modernidade que aceitamos sem discussão, mostrando-nos até que ponto levamos connosco ideias de «natureza humana» e de «verdades evidentes» que perduram apenas porque foram incorporadas sem uma análise de um passado perdido, alem de serem bastante comodas para certos individuos nos nossos dias.
Comecemos a dar maior atenção as práticas modernas tanto nas cidades como nos pólos de desenvolvimento, colocar outros “pares de lentes” para podermos captar outras coisas (enxergar como se integram realidades bem modernas na problemática do HIV/SIDA, por exemplo no distrito de Massinga na província de Inhambane, para não cairmos num ciclo vicioso de ver a questão no âmbito da tradição. A realidade alerta-nos para revermos o aspecto do pessoal de risco!!

5 comments:

Jonathan McCharty said...

Prezado Book!

Adicionei-o aos meus "elos" no meu blogue (ainda no seu primeiro gatinhar). Espero que não esteja a incorrer em matérias do fórum de "invasão de propriedade privada/intelectual"!

Abraço

Book Sambo said...

Caro Jonathan,
Nao se preocupe por me ter adicionado ao seu Blog. Isso nao e' violacao ou invasao nenhuma de propriedade intelectual. Seria o caso se fizesse o uso indevido da informacao contida neste Blog.
Abracos,

Jonathan McCharty said...

OK Sambo, thanks pela tua gentileza!

Outro Abraco!

Anonymous said...

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Anonymous said...

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