Friday, November 21, 2008

Um gesto, várias interpretações

África é um continente de heterogeneidades e homogeneidades. Embora contraditório é importante realçar que dependendo do nosso ângulo de análise podemos buscar e encontrar muita diversidade ou similaridades. Do ponto de vista etno-linguístico e cultural podemos encontrar uma heterogenidade infinita; mas também se quisermos podemos encontrar similitudes no que tange aos problemas sócio-políticos e económicos. É um pouco sobre esta possibilidade de se ler um mesmo objecto de formas diferentes e em função do nosso ponto de observação que me pretendo debruçar nas linhas que se seguem.
Achei interessante os textos do Mia Couto e do Patrício Langa ao versarem sobre África e a relação que se pode estabelecer com os EUA.
Num estilo característico Mia escreveu sobre os problemas sócio-políticos e económicos africanos, tendo com isso chamado os cidadãos africanos a reflectirem sobre a possibilidade de empreenderem mudanças rumo ao futuro que todos almejam. Por sua vez Patrício Langa – um dos poucos sociólogos lúcidos da praça – contrapós-se ao raçocínio de Mia pelo facto deste não ter explicado as razões por detrás dos inúmeros problemas estruturais e conjunturais que assolam os países africanos. Por outro lado a inquietação de Patrício vai para a aberrante comparação feita entre o chá e o leite – se assim o quisermos considerar – feita por Mia. Ao seu ver, no lugar de comparar o chá pelo leite, Mia devia comparar o chá verde ao chá preto. A analogia que faço resume-se na imaginação de Mia em relação ao rumo dos factos caso Obama fosse africano. Para Patrício é absurdo comparar-se África aos EUA.
Lamento não poder entrar em detalhes sobre os conteúdos dos textos ou reflexões dos actores supra-indicados. Não obstante presumo que será relativamente difícil para quem não os leu poder compreender o assunto que pretendo aqui abordar.
Ora bem, o que me parece é que estamos perante dois actores de perspectivas diferentes olhando para um mesmo objecto de análise. Perante um mesmo fenómeno social é natural que se façam leituras diversificadas dependendo da perspectiva com que o observador se identifica. O antropólogo, o historiador, o escritor, o humorista, o sociólogo, etc. que têm por objecto de análise o social, estão sujeitos a visões diferentes sobre o seu objecto. No entanto seria demais exigir-se ao humorista uma leitura do social na perspectiva economicista.
O que interessa ao escritor no retrato da sociedade talvés não seja responder o porquê das coisas. Pode por exemplo constituir a sua preocupação convidar com muita mestria aos seus leitores a reflectirem sobre determidado assunto que lhes passava despercebido. Este trabalho é, no entanto, feito na base da criatividade artística associada a estética e outros valores da arte literária. Nesse campo Mia é mestre, razão pela qual tornou-se referência nacional e internacional. Apesar do seu mérito, me parece que este escritor nunca decidiu invadir os outros campos do saber reivindicando que sigam as suas pegadas na leitura do social. Não me lembro de alguma tendência do Mia em se vangloriar face aos outros leitores do social. Mas quer me parecer que alguns sociólogos pretendem directa ou indirectamente convencerem ao mundo fora que têm a melhor maneira de ver os factos sociais comparativamente aos outros campos do saber.
Nem sempre o porquê é a melhor resposta. Não acho que Mia tenha cometido algum pecado por não responder ao porquê. As respostas descritivas que respondem ao como também são uma forma interessante de olhar para o social e chamar aos actores sociais a auto-reflexão.
De uma forma geral toda a análise social depende dos objectivos que o autor incorpora no momento do seu labor. Tenho as minhas dúvidas em relação ao facto de Mia querer fazer o papel de sociólogo na leitura do fenómeno Obama. Provavelmente este escritor nunca se quis furtar da sua arte para violar o espaço dos sociólogos.
Concordo plenamente com Patrício em relação a necessidade de se explicar o porquê dos factos para a sua melhor compreenão. Mas também discordo que isso seja um imperativo categórico para qualquer leitura que se pretenda fazer sobre o social. Ademais quer me parecer que para responder ao porquê, é necessário que se faça alguma pesquisa de modo a evitar expeculações. Penso que Mia Couto não se muniu de ferramentas que os sociólogos usam para compreender a sociedade antes de escrever o seu texto intitulado: “Se Obama fosse africano”. E isso aconteceu provavelmente porque ele não quis fazer o papel de sociólogo, antes sim, um escritor igual a si mesmo.
Cada campo do saber tem uma forma peculiar de encarar o seu objecto de estudo no entanto nenhum deles se deve considerar melhor que o outro. Criar uma hierarquia ou estratificação dentro das ciências sociais e humanas tanto como no campo das artes, seria uma tarefa condenada ao fracasso pois o social é complexo.
Até hoje Leonardo da Vinci é tido como um génio pela mensagem e pela forma como a transmitia de forma simbólica. The Da Vinci Code de Dan Brown tornou-se num best seller talvez por atacar a Igreja Católico-Romana de forma perspicaz; mas em nenhum momento dessa obra prima o seu autor preocupou-se em explicar o fenómeno que abordava de forma a agradar aos experts em sociologia da religião, o que não tirou o seu mérito.
O caso Obama merece sim alguma reflexão em torno das condições para uma democracia efectiva em África, por outro lado pode-nos ajudar a reflectir sobre o âmago dos problema sócio-políticos vividos no continente africano.
Em suma gostaria de reiterar que existem várias formas de ler os fenómenos sociais, dependendo do campo disciplinar em que o observador se encontra. É importante notar que a tendência de hierarquizar os demais campos do saber – e muito particularmente no ramo das ciências sociais e humanas; arte literária, artes plásticas, artes cénicas, etc. – pode-se constituir num perigo para o processo de construção do conhecimento.

Friday, November 14, 2008

Barack Obama e o messianismo americano

Muitos movimentos messiânicos surgem nos períodos de grandes crises sócio – políticas, sendo o prato forte o anúncio do fim de uma era e o começo de uma outra melhor. Isso não se difere tanto do quem vem acontecendo nos EUA com Barack Obama - o messias que se espera poder mudar os destinos daquele país transformando-lhe na Terra Prometida.
“Barack” em árabe significa o abençoado. Se quisessemos ir pelo lado metafísico talvez seríamos obrigados a dizer que a bênção de Obama foi profetizada aquando do seu nascimento e reside fundamentalmente na árdua missão de tirar o seu país do caos.
A bênção de Obama vem pelo facto de levar nas costas a responsabilidade de provar ao mundo inteiro que a competência técnica, política, e de qualquer outra natureza não tem nada a ver com a cor da pele. Vários argumentos antropológicos, médicos, etc. de natureza racista tentaram vezes sem conta criar uma estratificação social baseada na cor. Mesmo em sociedades mais cultas como a França é escusado dizer-se que não hajam resquícios de racismo.
Alguém disse que a tomada de poder por Obama significa o fim da supremacia WASP, mas é meio suspeito fazer esse tipo de pronunciamentos porque isso significaria por outras palavras retornar aos discursos racistas e em última análise dizer que ele foi eleito somente pelos negros o que não constitui a verdade.
A vitória de Barack Obama pode sim significar a mudança de mentalidade dos americanos e do mundo inteiro passando-se para uma nova fase da história da humanidade em que se olha pelas diferenças da cor da pele não como factor de estereótipo ou supremacia de uns sobre os outros, mas simplesmente como diferença. Quarta e quinta feiras são apenas dois dias de semana diferentes quanto o preto é diferente do branco, portanto sem motivos para hierarquizá-los.
É importante lembrar que a mudança de mentalidade dá-se num longo processo de transformações sociais ocorridas na escala Global onde Kofi Annan contribuiu pelo trabalho plausível que prestou às Nações Unidas na qualidade de secretário geral. Durante o seu mandato não faltaram cépticos para questionarem e duvidarem das capacidades intelectuais de um africano –de raça negra – na gestão das Nações Unidas. Bastava um pequeno deslize para conotarem as incongruências pessoais à incapacidade de todas as pessoas da sua cor. É o mesmo desafio que Obama enfrenta neste momento, e para tal é importante que siga o exemplo de outros negros como William Dubois, Marcus Garvey, Martim Luther king Jr., entre outros, que no decurso da sua vida passaram por vários desafios num mundo em que os preconceitos raciais eram enormes.
Quando Bush assumiu o poder, em 2001, herdou um superávit de US$ 651 bilhões, mas vai deixar o orçamento com déficit recorde de US$ 438 bilhões, sem levar em consideração o pacote de US$ 700 bilhões. Obama considera que reformas de longo alcance serão necessárias para proteger cidadãos e empresas americanos. Obama deixa claro que a estrutura fiscal precisa ser modificada para se tornar mais justa. Isso significa que os ricos terão de pagar mais[1]. Esta medida pode ser plausível mas é importante que haja muita prudência e distanciamento em relação ao nível emocional do novo presidente dos EUA.
Se Bush vetou contra o financiamento das pesquisas em torno das células-tronco pode ser sinal de gestão racional de recursos o que não deve ser visto como desinteresse em relação ao avanço da medicina. Porém Obama promete reverter a situação financiando pesquisas das companhias de células-tronco. Este posicionamento surge numa altura em que os EUA precisam de se recuperar da crise financeira que se estima poder ser pior que a de Roosevelt.
De messias, Barack Obama pode se transformar numa grande decepção para todos os que apostaram nele na expectativa de contribuir para as mudanças em favor da nova ordem mundial. Não se pretende porém afirmar que o sucesso da sua governação dará fim aos preconceitos raciais, antes sim que tal pode contribuir para a mitigação paulatina dos mesmos.
As mudanças sociais ocorrem infelizmente num processo lento comparativamente as outras mudanças. No entanto o fenómeno Obama suscita várias leituras; mas neste caso particular diremos que simboliza acima de tudo uma grande mobilidade social do povo afro-americano: da Senzala para a Casa Grande; do Getho para a Casa Branca; e finalmente da White House para a Black House.
[1] http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowEspeciais!destaque.action?destaque.idEspeciais=849