Thursday, July 23, 2009

Ressocialização ou reintegração social?

Uma vez fui chamado atenção por um amigo jurista pelo facto de cometer aquilo que ele chamou de atropelo ao seu vocabulário técnico. Repreendeu-me por ter usado o termo alugar ao inves de arrendar. Fiquei bastante grato pela correcção e ao mesmo tempo percebi que muita gente que ignorava as minhas gralhas talvez fosse por consentirem e não notarem nada de estranho.

Na sua simples explicação, dizia ele que alugam-se os bens moveis e que aos imóveis arrendam-se. Tao simples quanto isso. Apenas um exemplo: quando se trata de um bem imóvel como uma flat ou vivenda, podemos falar de arrendamento; para uma viatura que neste caso trata-se de um bem móvel ou que se pode transportar de uma lado ao outro, podemos falar de aluguer.

Existem porem varios outros atropelos que cometemos sem nos apercebermos e que de alguma forma podemos considerar de normal. Assim o digo porque nas ciências sociais e humanas existem terminologias usadas no vocabulário corrente que podem de alguma forma confundir a atenção dos leigos. Por ser um vocábulo corrente, pode-se inocentemente confundir com o significado que damos no senso comum. Não obstante, importa realçar o facto de haverem certos conceitos técnicos que são assimilados para o nosso vocabulário corrente e que por vezes deturpamos inconscientemente o seu significado original.

Em sociologia isso é muito frequente pois os seus principais conceitos usam terminologias do vocabulário corrente, dai a elevada probabilidade de usarmos os seus conceitos de forma leviana por pensarmos que o seu significado é o mesmo que se encontra no dicionário de sinónimos.

Nas ciências nomoteticas é já diferente porque os seus conceitos não se baseam no vocabulário corrente, o exemplo disso podemos encontrar na fotossíntese da biologia, inercia da física, a termodinâmica da química, o espaço vectorial e as equações diferenciais da matemática, etc.

Na sociologia existe um conceito largamente estudado pelos percursores desta área de conhecimento e que hoje foi assimilado no nosso vocabulário corrente, embora em certos casos com outras significações, está-se a falar concretamente do conceito de socialização.

Existem porem varias definições do conceito supracitado, mas proponho a mais simples definição que retirei da (enciclopédia virtual) Wikipedia1. No entanto a socialização pode ser entendida como a assimilação de hábitos característicos do seu grupo social, todo o processo através do qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade, assimilando a cultura que lhe é própria. É um processo contínuo que nunca se dá por terminado, realizando-se através da comunicação, sendo inicialmente pela "imitação" para se tornar mais sociável.

O caracter continuo incutido no conceito remete-nos a ideia de um processo sem fim. Já diz o adagio popular que morremos sempre a aprender. Durkheim (1983)2, Weber (1920)3 e Simmel (1992)4 sao tidos como os propulsores dos estudos a volta do conceito, depois destes varios outros estudiosos da área como Mead (1934)5, Parsons (1955)6, Piaget (1975)7, Habermas (1973)8 e Luhmann (1987)9, prosseguiram com as suas pesquisas em torno deste conceito.

A socialização no entanto que um processo de aprendizagem, de forma a nos integrarmos ao nosso grupo de pertença, começa na família desde a tenra idade. A isto chamamos de socialização primaria. É neste ambiente em que por exemplo aprendemos a não expelir gazes, arrotar, ou falar com a boca cheia durante a refeição. Mas como disse antes, estes ensinamentos e aprendizados prosseguem aos demais espaços sociais de convivência ou de relacionamento inter pessoais como a escola, o local de trabalho, as instituições totais como as prisões, os internatos, etc. Estou desta forma a querer concordar com Parsons (1955) – o sociólogo americano, e os alemães Luhmman (1987) e Simmel (1992). Neste processo complexo de aprendizagem ocorre aquilo que em sociologia se chama de aculturação, inculturação, transculturação, etc.

Na aculturação existe uma troca de valores entre os actores que interagem entre si, fazendo com que estes se misturem dando origem a novos valores de uma nova cultura. Na inculturação, o individuo incorpora para o seu estilo de vida novos valores provenientes da influencia do seu meio, e neste caso concreto das pessoas com quem interage. A transculturação, não muito diferente da inculturação ocorre quando o individuo adopta para si valores diferentes dos seus podendo ou não abandonar os seus valores culturais ou mesmo costumes.

Autores como Leopold von Wiese (1931, 1933) e Norbert Elias (1939, 1970) exploram o conceito de socializacao como um processo continuo sobretudo quando se baseam na concepção simmeliana de Vergesellschaftung que se poderia traduzir como “ processos de socialização”.

É comum nos nossos círculos de reflexão e debates sobre assuntos da actualidade ouvir-se falar de ressocialização, principalmente quando se fala da questão ligada aos reclusos. O termo ressocializar remete-nos a ideia de uma nova socialização ou seja da repetição de algo interrompido a um dado momento. Isto é uma clara negação do principio da socialização como um processo continuo e assim sendo poderia ser algo descontextualizado do circulo sociológico.

A expressão talvez apropriada para o que se chama vulgarmente de ressocialização seria “reintegração social”; conceito durkhemiano que expressa a situação em que um determinado individuo volta a assumir os valores do seu grupo de pertença.

Quer em sociologia jurídica quer em criminologia, os conceitos análogos a socialização como por exemplo a reintegração social, desintegração social versus desvio, são muito comuns. O desvio ou simplesmente os comportamentos desviantes ocorrem como parte do processo de socialização do individuo. Nos círculos de amizades o mesmo pode adquirir novos valores que se desvirtuam do que é aceite no seu espaço normal de convivência. Assumindo tais valores pode-se chegar consequentemente a comportamentos desviantes que normalmente sao sancionáveis quer por instrumentos jurídico-legais, quer pela rejeição moral do desviante. Nesse caso, a sociedade só aceita o seu membro de volta após notar nele o regresso a conduta tida nos padrões do seu espaço social. Nesse caso o actor desviante passa por uma reintegração social ao reassumir os valores sociais ora abandonados. Esta é a explicação simplificada de um longo processo que envolve simultaneamente varias etapas na socialização que conforme disse, ocorre por inculturação, aculturação, transculturação, e por ai em diante.

O que se tem vulgarmente denominado de ressocialização pode ser encontrado em algumas literaturas mas não com o sentido que é vulgarmente entendido no senso comum. O dicionário10 de sociologia da Porto Editora refere por exemplo que “qualquer processo de socialização pode ser considerado uma ressocialização, sempre que tal implique, por parte do actor que nele se envolve uma mudança significativa no comportamento”. Ora bem, nesta abordagem, pode-se depreender que está-se perante o mesmo significado dos conceitos de aculturação e inculturação a que se fez menção anteriormente. Por outras palavras, tal mudança significativa de comportamento não e' passível de julgamentos valorativos. Não obstante pode-se considerar que nesta acepção a mudança para um comportamento desviante quanto para uma reintegração social ajusta-se a ideia de ressocialização da Porto Editora, e como temos vindo a mencionar a aludida ressocialização nada tem a ver com a reintegração social como teimam os leigos.

Não precisamos de ser juristas, antropólogos, linguistas, ou sociólogos para fazermos uso dos conceitos destas áreas do saber; o que importa porem é que não seja deturpada a essência do significado a si adjacente .
Temos que usar o termo alugar apenas para os bens moveis, e arrendar para os bens imóveis. Seria injusta qualquer tentativa de justificação do tipo “estou a usar um conceito do senso comum em que arrendar e alugar tem a mesma aplicação” que se diferencia porem do contexto jurídico.

2 comments:

Unknown said...

Hehehe! é isso meu irmão vais ver que muitos de nós falamos mesmo sem nenhuma base epistemologica e nos limitamos a criar ruído insuportável!...há dias alguem fez um barulho,com agravante do "normativismo" que o senso comum ostenta não fui capaz de fazer saber o fulano que Mentiroso, "mafioso" Falcificador... são Adjectivos sinónimos que qualifica alguém praticante de actos não reais.

A defesa dele era de que o mafioso não é mentiroso só que não é legítimo.

Unknown said...

olá sou assistente social e gostaria imenso de trocar algumas ideias acerca deste facto consigo, caso esteja disposto e interessado. assim deixarei o meu contacto no vim desta mensagem a fim de puder-mos trocar as ditas ideias, não por as querer trocar em publico mas pelo facto de ser uma conversa mais alongada e até mesmo de aconselhamento, se possivel.
assim, agradeço e despeço-me cordialmente
joao Martins
joao.maruta@gmail.com