Wednesday, September 30, 2009

O Apocalipse da democracia moçambicana



Nem sempre é fácil estabelecer comparações, no entanto, certas vezes em que tentamos fazer esse exercício somos interpelados pelos critérios que para tal nos apegamos. Como ponto de partida vou trazer o exemplo de um retrato feito pelo fotógrafo e o outro feito pelo artista plástico.

No primeiro caso um fotógrafo munido de uma camera digital de 12 megapixels tem a possibilidade de fazer mais do que 3 retratos por minuto com uma qualidade e nitidez de imagem invejável. No segundo caso, um artista plástico com ajuda do seu equipamento de trabalho – tinteiro, pincéis, tela, etc. - pode levar um par de horas para fazer um retrato. Porém no final de tudo existem os apreciadores quer de um quer do outro trabalho. Embora o retrato do artista plástico seja de admirar, a sua qualidade e precisão não será a mesma que a dos retratos feitos pelo fotógrafo pois estes levam vantagem a dobrar graças a ajuda da tecnologia. Nesta comparação fica meio embaraçoso atribuir mérito ao trabalho de um em detrimento do outro pois ambos fazem um trabalho semelhante – o de retratar a natureza através de imagens – usando meios diferentes. Naturalmente que um tem a vantagem de usar tecnologias que permitem a rapidez e precisão nos retratos enquanto que o outro tem a vantagem de fazê-lo de forma mais natural mostrando a habilidade humana de observar e retratar na tela.

Escusado seria que um destes se vangloriasse alegando fazer melhor trabalho, muito menos o fotógrafo pois este tem muita parte do seu trabalho facilitado pela tecnologia que usa em sua camera digital de 12 megapixels. Poderíamos no entanto fazer uma transposição deste exemplo para o cenário que se vive na campanha eleitoral de Moçambique (2009) em que perfilam intervenientes com perfis distintos.

Por um lado temos os partidos da oposição e por outro o Partido Estado que vem governando Moçambique desde a sua independência (1975) e que sempre tem levado vantagem nos escrutínios que se vem realizando desde 1994 (1999; 2004). Trata-se portanto de um partido que em principio tem muito para ganhar as eleições comparativamente aos seus opositores. Talvez seja por isso que os partidos da oposição, vezes sem conta, proferiram acusações contra o partido no poder de usar a verba pública para financiar as suas campanhas eleitorais e até mesmo viciar os resultados. Verdade ou não isso não importa neste momento como talvez seria em relação ao discurso actual deste partido na corrida às eleições gerais de 2009. O seu slogan principal reza que a FRELIMO é que fez e quem faz, acrescentando-se à isso uma estação televisiva privada passou uma reportagem sobre a campanha eleitoral deste partido no estrangeiro frisando ser o único a fazê-lo na diáspora comparativamente a oposição.

Ora bem, está-se perante algo semelhante à uma comparação desleal pois o partido no poder tem todas as vantagens possíveis pelo facto de ter um Governo constituido quase que oficialmente pelos seus membros. Naturalmente que é difícil separar os feitos do governo aos do partido. Durante o mandato de 5 anos, o discurso oficial ostenta a bandeira Governamental e na altura da campanha eleitoral a ostentação vira para a bandeira partidária que reivindica para si todos os feitos do Governo. Tal facto seria talvez pouco provável se o Governo fosse inclusivo – incorporando em cargos de direcção alguns membros dos partidos opositores. Numa estrutura governativa de miscigenação politico-partidária seria pouco provável a confusão entre as fronteiras do Governo e do partido político dominante. Isso não significa porém que o partido no poder não tenha expressão no seu governo, mas esta deve-se manifestar no sentido fiscalizador e tomada de decisão ao mais alto nível na composição da sua estrutura governativa, sendo o resto manifestado ao nível parlamentar.

Ao nível da Diáspora o Partido FRELIMO tem muitas oportunidades de fazer a campanha eleitoral pois tem os seus membros a trabalharem nas embaixadas e consulados, em que nenhum partido da oposição tem os seus elementos.

A comparação acima aludida seria feliz quiçá, se o partido no poder tivesse células a funcionarem fora das embaixadas com instalações requintadas de equipamento a sua altura, e acima de tudo adquiridas com as cotas mensais dos seus membros. A comparação entre os feitos da FRELIMO e os dos partidos opositores teria mérito se talvez o primeiro construisse escolas e infra-estruturas públicas, da dimensão da ponte que liga Chimuara e Caia, com receitas provenientes das cotas mensais dos seus membros. Se assim fosse e não-se visse o mesmo exercício por parte dos restantes partidos da oposição talvez poderíamos aceitar a superioridade de uns sobre os outros.

Conforme se disse no início nem sempre é fácil estabelecer comparações e principalmente quando isso ocorre numa altura em que nos encontramos movidos por emoções ou quaisquer laços de afinidades – religiosas, étnicas, politicas, entre outras. Comparações tendenciosas soam de forma ruidosa quando provenientes de órgãos de comunicação social que reivindicam imparcialidade politico-partidária. Propalando-se uma postura dessa natureza no seio da imprensa pode-se correr o risco de se cair naquilo que poderia chamar de Apocalipse da democracia moçambicana.

8 comments:

Unknown said...

Muito bem isso é que se chama pensar diferente passo a visitar este sitio.

Anonymous said...

Vi o texto e o achei bastante interessante e tenho a dizer que concordo plenamente com as ideias levantadas, principalmente quando falas da falta ou da dificuldade de se perceber da linha de separação entre o partido no poder e o Estado, pois no meu modesto entender, no tocante às proximas eleições, vimos e ouvimos os membros do governo em viagens oficiais a incitarem as populações a votarem no seu partido muito antes do início da campanha eleitoral.
De igual forma, alinho no mesmo diapasão no tocante ao slogan usado, visto que, embora o seu programa tenha sido votado, supostamente pela maioria, quando se está no poder age-se como parte integrante do Estado e, podemos dizer que eles nunca fizeram nada que não fosse com fundos do Estado; ademais, até tiram fundos do Estado para construírem mansões e comprarem carros de luxo, daí que o discurso seja mais para enganar os incautos.
Gostaria de saber onde e como funcionam as prováveis delegações do partido no estrangeiro porque, até hoje, não as conheço. Acho que para vermos a real força do partido seria melhor vê-lo a trabalhar na oposição sem o recurso aos fundos do Estado.
Os pontos que levantaste, sem precisar ser um analista experimentado, são suficientes para levar a debate.

Um abraço

Anonymous said...

Ola, tdo bem. Gostei do texto, realmente o cenário político no nosso País ta mal. É triste o que se vive, mas nós somos nada para poder mudar essa situação, apenas só podemos ver e comentar. Sabes, eu nem sei se vou votar, porque, a política ja cansa sabes. Ja perdeu a graça, talvés seria bem melhor voltarmos ao monopartidarismo assumido porque, realmente é ixo que se vive em Moçambique. Tens toda a razão no teu texto, a concorrência é disleal e visível. Ja não escondem porque a sede de poder é tanta e que se lixe o povo.

BEIJOS

Reflectindo said...

Caro Book

Deculpe-me informa-lhe que ontem postei parte deste artigo no meu blog Reflectindo sobre Mocambique, já que esta é uma reflexão interessante.

Abraco

Joao Sambo said...

Forca mano, gostei do texto,e bom ter jovens com capacidade de analise politica.
Forca

Abraco

Book Sambo said...

Caro Reflectindo, fique tranquilo pois sinto-me satisfeito em partilhar o que me vem a mente com o maior numero possivel de pessoas. Abracos

Rildo Rafael said...

Meu caro Book

Excelente texto

Penso que estas eleicoes deve levar a uma profunda reflexao do cenario democratico em Mocambique. compartilho com as tuas ideias.

Acho meu caro que devemos primeiro por comecar a reflectir sobre a genese dos partidos politicos em Mocambique (sera que temos ua origem etnica ou regional dos partidos politicos?)

Porque sera que grande parte dos partidos politicos surgem na regiao centro cidade da Beira, ou por individuos naturais de Sofala (Dlakhama,Sibindi,Nhamitambo, maximo Dias, Daviz Simango, Daul Domingos a lista pode aumentar)


Uma outra questao a debater seria: como as pessoas se filiam aos partidos politicos? Quais as suas reais motivacoes? penso que aqui esta uma lufada de ar fresco para se pensar numa democracia em Mocambique?

Como as pessoas se tornam membros dos partidos politicos? Porque nao sera o aparecimento de varais forcas politicas que ira reforcar a nossa democracia! So assim poderemos saber da legitimidade de criacao de celulas nas instituicoes! poderemos saber se os partidos politicos tem o mesmo direito de organizar reunioes ou encontros com enfermeiros tal como aconteceu na Beira como saudoso camarada Alberto Chipande. Temos o direito de privar os enfermeiros das suas actividades para abordarmos sobre a campanha? Se o PIMO pretender fazer campanha, os enfermeiros podem participar nos encontros?

Penso que quando a igualdade de oportunidade entre os partidos politicos e uma miragem (porque teu exemplo da escola com quotas e bastante lucido)

Estas eleicoes que se avisinham perderam a mediatizacao que merecia. cabe a cada partido politico ser bastante criativo. O que peca e articulacao argumentativa nas campanhas (esta desarticulado (veja o diario da campanha) nao existe um linha de orientacao), desde o momento que seja delegado ou membro senior de 1 ou outro partido

saudades do efeito Obama (sim senhor) analise dicursiva em momentos de campanha, ou seja, competencia na campanha

Obrigado

Rildo Rafael

Book Sambo said...

Oi Rildo,

Fico satisfeito pelos teus comentários, não necessariamente por concordares com o meu ponto de vista, mas fundamentalmente por me mostrares que até agora não és vitima da ideologia que infectou a nossa geração.

Um abraço,