Sunday, February 04, 2007

Hipótese sobre a relação entre a fraude académica e a corrupção


Actualmente os discursos sobre o desenvolvimento encontram na corrupção, um elemento que negativamente contribui para o bem das nações. Com efeito importa buscar a génese deste mal que concorre para um outro ainda maior – a pobreza e o subdesenvolvimento.
Existem, portanto, várias explicações que se podem dar às origens da corrupção; mas para este propósito, urge-nos olhar apenas para um dos elementos sendo ele a fraude académica. Pretendemos estabelecer uma correlação entre duas variáveis - a fraude académica nas suas demais variantes, incluindo a cábula, e a corrupção na sua forma multifacetada que pode de certa forma incluir o furto.
Nesta primeira parte vamos delimitar a percepção que se pretende para o conceito de cábula, ou fraude académica, tanto quanto os de furto e corrupção. Na segunda parte procuraremos estabelecer a correlação entre as duas variáveis supracitadas.
No primeiro conceito (cábula) reside a ideia de fraude académica que consiste no uso não permitido de auxiliares de memória durante a avaliação académica. Tais auxiliares de memória podem-se representar sob a forma de artefactos como a calculadora electrónica, textos gravados em telemóveis ou papéis, etc. por vezes feito sob códigos descortináveis somente pelo utente. Existem outras variantes da fraude académica conforme nos lembra o Professor Ricardo Gregório[1] – Coordenador assistente do Centro de Pesquisa e Pós Graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas no Brasil. Segundo as suas palavras dentre elas destacam-se:
a) a transcrição de várias laudas de obras sem a respectiva indicação do autor,
b) a cópia integral de trechos de livros mediante meras alterações de palavras mas sem modificação do conteúdo,
c) a paráfrase (explicação mais desenvolvida de um texto, conservando-se a ideia original) sem a citação das fontes, e
d) a cópia, pura e simples, do trabalho do colega de classe que assim anuiu fosse feito. Como se não bastasse, alguns discentes ainda baixam trechos de obras publicadas na Internet e outros ainda, encomendam seus trabalhos em sites criados por profissionais especializados.
Por seu turno a Wikipedia define a corrupção como um conceito geral que descreve uma organização, ou sistema interdependente no qual uma das partes não põe em prática os deveres pelos quais a mesma foi concebida, ou cumprindo com os seus deveres de forma não apropriada, em detrimento dos propósitos originais do sistema.
Por furto deve-se entender a subtracção de coisa alheia móvel para si ou para outrem. Difere-se do roubo por ser praticado sem emprego de violência ou grave ameaça. Deve ser ressaltado que a descrição típica do furto exige elementos como o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de subtrair a coisa móvel; e a finalidade especial contida na expressão "para si ou para outrem". Wikipedia.com (2006)
Os três conceitos ora abordados, têm elementos em comum, que se afiguram úteis para a análise que pretendemos levar a cabo, conforme veremos a seguir.
Uma característica patente quer na fraude académica quer na corrupção, é o carácter deplorável neles patentes, no atinente a moral e a ética. O indivíduo que pratica cada um destes actos, tem a plena consciência da imoralidade neles vincado, com efeito procura no máximo criar condições para que não seja descoberto. Esta precaução surge pelo facto de se ter em mente a ideia de sanção social impingida pela sociedade aos infractores das suas normas.
O cábula, sabe que o docente tomará alguma medida dura se o descobrir, da mesma forma que o ladrão tem a consciência dos riscos que corre após ser surpreendido ou simplesmente descoberto. Por essa razão ambos agem sob a dicotomia medo-coragem. Por um lado estes fraudulentos temem as represálias advindas dos seus actos, por outro lado, tomam coragem para embarcar na fraude porque as recompensas serão enormes.
A díade estudante cábula e o funcionário corrupto, goza de altas recompensas quando executam com sucesso a fraude em que se envolvem. O cábula pode obter boas notas na sua avaliação, se não for descoberto durante o acto, da mesma forma que o corrupto, é bem compensado após o sucesso da sua fraude. As altas recompensas de uma fraude bem sucedida são um dos elementos que incentivam os actos que se chocam com os valores ético-morais.
Os actores de cada uma das variáveis que compõem a aludida díade estão convictos dos riscos que correm, mas mesmo assim, caracterizam-se por um alto nível de coragem e desrespeito aos valores ético-morais na expectativa de vencer os riscos e ganhar as recompensas pela qual buscaram.
Finalmente um dos elementos em comum nesta díade reside no facto de se pretender meios curtos e menos sinuosos na consecução de certos fins.
O cábula, é geralmente conotado como o estudante preguiçoso que pretende obter boas notas durante a avaliação escolar ou académica. Por sua vez, o corrupto é tido como um actor que ao invés de ganhar a vida com dedicação e empenho no trabalho, opta pelos caminhos mais curtos, e sempre em prejuízo de outrém, senão mesmo do sistema em que se encontra inserido.
Se, por um lado, em ambientes estudantis e/ou académicos prevalece um clima de conduta e comportamentos regidos pelos valores ético-morais, diríamos que o mesmo acontece em ambientes de trabalho (política, administração pública, negócios, etc.), na esfera social. Assim sendo, pode ser que a mesma predisposição em violar a ética no ambiente académico também esteja presente ou se manifeste futuramente no ambiente de trabalho.
Aurora Teixeira[2] e Fátima Rocha, ambas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, levaram a cabo uma pesquisa que avaliou 21 países da Europa (Polónia, Eslovénia, Roménia, Portugal, Espanha, Itália, Turquia, Áustria, França, Alemanha, Irlanda, Reino Unido, etc.), América Latina (Argentina, Brasil, e Colômbia), África (Nigéria e Moçambique) e EUA. Os resultados mostraram que para além de forte, existe, também, uma, correlação directa entre a fraude académica e a corrupção no ambiente de trabalho. Por outras palavras o estudo mostrou que nos países com maior índice de fraude académica, apresentam igualmente elevados níveis de corrupção. Por exemplo, um dado que escapou a pesquisa acima mencionada, é referido num relatório da Exams Ethics Project. Esta ONG, alega que na Nigéria – um dos países mais corruptos do mundo - a fraude académica e a corrupção são um grande negócio[3].
Um dos factores que motiva o perpetuar da fraude académica, é a falta de sanções severas aos seus praticantes. O estudo supracitado refere que ser apanhado a copiar não acarreta sanções sérias e, que estas, não têm um efeito desencorajador da prática. Segundo a pesquisa, o exame é anulado e o aluno chumba, o que aconteceria na mesma, caso não tivesse copiado, porque não tinha estudado. Para além deste elemento, a pesquisa demostra que muitas vezes, o ambiente na sala de aulas também tem favorecido a fraude académica.
No entanto, podemos com as informações que circulam nos media, admitir que temos vivido sérios problemas que de certa forma toleram a fraude académica, o que, de algum modo, pode explicar os níveis de corrupção que actualmente vivemos. Há menos de 5 anos, a UEM[4] anulou um dos exames de admissão por ter-se descoberto que haviam estudantes que traziam de casa, exemplares já resolvidos. Contra a expectativa dos cidadãos, até hoje não se conhecem os autores de tais actos, e muito menos as sanções a que foram sujeitos. Na faculdade de Direito da mesma instituição, já foram reportados casos de estudantes que fizeram exames em nome dos seus colegas, mas até ao momento, nada se sabe sobre o desfecho desta matéria. O jornal electrónico Zambézia Online[5], reportou a 11 de Novembro de 2004 que 7 casos de fraude académica foram identificados durante os exames finais da 10ª e 12ª classes na cidade de Pemba em Cabo Delgado. Conforme anteriormente aludimos, em situações do género a única sanção decretada, tem sido a reprovação dos estudantes, e foi o que aconteceu no caso acima mencionado. Este tipo de sanções não desencorajam a fraude académica nos estudantes. Exemplos como estes, estão aos montes no nosso sistema de ensino.
Moçambique apresenta vários indícios de elevados níveis de fraude académica, o que talvez explica os índices assustadores de corrupção que o país enfrenta. Não pretendemos, com isso, dizer que a corrupção tem como único factor motivador a fraude académica, mas que esta última, é uma pré-condição para tal. A pesquisa supracitada, avança que existe uma correlação forte e directa entre estas duas variáveis. Doutro modo, dir-se-ia que quanto mais acentuada for a fraude académica, maior é a probabilidade de se ter funcionários corruptos no futuro.
Se concordarmos que tais resultados sejam válidos para o caso de Moçambique, seria importante que o Ministério da Educação e Cultura começasse a encetar esforços no sentido de combater severamente a fraude académica, muito mais do que actualmente é feito. Cabe a esta entidade, definir as sanções que mais se adequam ao desencorajamento da fraude académica. Desta forma estar-se-ia a contribuir para a redução dos índices de corrupção, e consequentemente favorecendo o desenvolvimento do país.
Conforme referimos logo de início, existem muitas outras variáveis que concorrem para a corrupção como para o subdesenvolvimento do país. Mas para este propósito, procuramos apenas compreender o subdesenvolvimento do país à partir da correlação entre a fraude académica e a corrupção, de modo a dar mais uma cor ao debate em torno do desenvolvimento de Moçambique.

book sambo
[1] http://www.fmu.br/pdf/cppg_37b1.pdf#search=%22fraude%20academica%22
[2] http://dn.sapo.pt/2006/06/18/tema/alunos_copiam_mais_paises_mais_corru.html
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4832
Aurora Teixeira é Mestre em Economia pela Faculdade de Economia do Porto (FEP), com o Prémio do Conselho Económico e Social, e Doutorada em “Science and Technology Policy Technology and Innovation Management” pelo SPRU - Science and Technology Policy Research, da Universidade de Sussex, Reino Unido. É docente da FEP desde 1994 nas áreas de Macroeconomia, Mudança Estrutural e Inovação, Gestão da Inovação, e Projecto de Inovação e Tecnologia (Mestrado em Inovação e Empreendedorismo Tecnológico, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É também editora dos “Working Papers” e Coordenadora do Programa de Seminários da FEP.

[3] http://www.bc.edu/bc_org/avp/soe/cihe/newsletter/News38/text003.htm
[4] Universidade Eduardo Mondlane
[5] http://www.zambezia.co.mz/content/view/257/