Wednesday, September 30, 2009

O Apocalipse da democracia moçambicana



Nem sempre é fácil estabelecer comparações, no entanto, certas vezes em que tentamos fazer esse exercício somos interpelados pelos critérios que para tal nos apegamos. Como ponto de partida vou trazer o exemplo de um retrato feito pelo fotógrafo e o outro feito pelo artista plástico.

No primeiro caso um fotógrafo munido de uma camera digital de 12 megapixels tem a possibilidade de fazer mais do que 3 retratos por minuto com uma qualidade e nitidez de imagem invejável. No segundo caso, um artista plástico com ajuda do seu equipamento de trabalho – tinteiro, pincéis, tela, etc. - pode levar um par de horas para fazer um retrato. Porém no final de tudo existem os apreciadores quer de um quer do outro trabalho. Embora o retrato do artista plástico seja de admirar, a sua qualidade e precisão não será a mesma que a dos retratos feitos pelo fotógrafo pois estes levam vantagem a dobrar graças a ajuda da tecnologia. Nesta comparação fica meio embaraçoso atribuir mérito ao trabalho de um em detrimento do outro pois ambos fazem um trabalho semelhante – o de retratar a natureza através de imagens – usando meios diferentes. Naturalmente que um tem a vantagem de usar tecnologias que permitem a rapidez e precisão nos retratos enquanto que o outro tem a vantagem de fazê-lo de forma mais natural mostrando a habilidade humana de observar e retratar na tela.

Escusado seria que um destes se vangloriasse alegando fazer melhor trabalho, muito menos o fotógrafo pois este tem muita parte do seu trabalho facilitado pela tecnologia que usa em sua camera digital de 12 megapixels. Poderíamos no entanto fazer uma transposição deste exemplo para o cenário que se vive na campanha eleitoral de Moçambique (2009) em que perfilam intervenientes com perfis distintos.

Por um lado temos os partidos da oposição e por outro o Partido Estado que vem governando Moçambique desde a sua independência (1975) e que sempre tem levado vantagem nos escrutínios que se vem realizando desde 1994 (1999; 2004). Trata-se portanto de um partido que em principio tem muito para ganhar as eleições comparativamente aos seus opositores. Talvez seja por isso que os partidos da oposição, vezes sem conta, proferiram acusações contra o partido no poder de usar a verba pública para financiar as suas campanhas eleitorais e até mesmo viciar os resultados. Verdade ou não isso não importa neste momento como talvez seria em relação ao discurso actual deste partido na corrida às eleições gerais de 2009. O seu slogan principal reza que a FRELIMO é que fez e quem faz, acrescentando-se à isso uma estação televisiva privada passou uma reportagem sobre a campanha eleitoral deste partido no estrangeiro frisando ser o único a fazê-lo na diáspora comparativamente a oposição.

Ora bem, está-se perante algo semelhante à uma comparação desleal pois o partido no poder tem todas as vantagens possíveis pelo facto de ter um Governo constituido quase que oficialmente pelos seus membros. Naturalmente que é difícil separar os feitos do governo aos do partido. Durante o mandato de 5 anos, o discurso oficial ostenta a bandeira Governamental e na altura da campanha eleitoral a ostentação vira para a bandeira partidária que reivindica para si todos os feitos do Governo. Tal facto seria talvez pouco provável se o Governo fosse inclusivo – incorporando em cargos de direcção alguns membros dos partidos opositores. Numa estrutura governativa de miscigenação politico-partidária seria pouco provável a confusão entre as fronteiras do Governo e do partido político dominante. Isso não significa porém que o partido no poder não tenha expressão no seu governo, mas esta deve-se manifestar no sentido fiscalizador e tomada de decisão ao mais alto nível na composição da sua estrutura governativa, sendo o resto manifestado ao nível parlamentar.

Ao nível da Diáspora o Partido FRELIMO tem muitas oportunidades de fazer a campanha eleitoral pois tem os seus membros a trabalharem nas embaixadas e consulados, em que nenhum partido da oposição tem os seus elementos.

A comparação acima aludida seria feliz quiçá, se o partido no poder tivesse células a funcionarem fora das embaixadas com instalações requintadas de equipamento a sua altura, e acima de tudo adquiridas com as cotas mensais dos seus membros. A comparação entre os feitos da FRELIMO e os dos partidos opositores teria mérito se talvez o primeiro construisse escolas e infra-estruturas públicas, da dimensão da ponte que liga Chimuara e Caia, com receitas provenientes das cotas mensais dos seus membros. Se assim fosse e não-se visse o mesmo exercício por parte dos restantes partidos da oposição talvez poderíamos aceitar a superioridade de uns sobre os outros.

Conforme se disse no início nem sempre é fácil estabelecer comparações e principalmente quando isso ocorre numa altura em que nos encontramos movidos por emoções ou quaisquer laços de afinidades – religiosas, étnicas, politicas, entre outras. Comparações tendenciosas soam de forma ruidosa quando provenientes de órgãos de comunicação social que reivindicam imparcialidade politico-partidária. Propalando-se uma postura dessa natureza no seio da imprensa pode-se correr o risco de se cair naquilo que poderia chamar de Apocalipse da democracia moçambicana.

Thursday, July 23, 2009

Ressocialização ou reintegração social?

Uma vez fui chamado atenção por um amigo jurista pelo facto de cometer aquilo que ele chamou de atropelo ao seu vocabulário técnico. Repreendeu-me por ter usado o termo alugar ao inves de arrendar. Fiquei bastante grato pela correcção e ao mesmo tempo percebi que muita gente que ignorava as minhas gralhas talvez fosse por consentirem e não notarem nada de estranho.

Na sua simples explicação, dizia ele que alugam-se os bens moveis e que aos imóveis arrendam-se. Tao simples quanto isso. Apenas um exemplo: quando se trata de um bem imóvel como uma flat ou vivenda, podemos falar de arrendamento; para uma viatura que neste caso trata-se de um bem móvel ou que se pode transportar de uma lado ao outro, podemos falar de aluguer.

Existem porem varios outros atropelos que cometemos sem nos apercebermos e que de alguma forma podemos considerar de normal. Assim o digo porque nas ciências sociais e humanas existem terminologias usadas no vocabulário corrente que podem de alguma forma confundir a atenção dos leigos. Por ser um vocábulo corrente, pode-se inocentemente confundir com o significado que damos no senso comum. Não obstante, importa realçar o facto de haverem certos conceitos técnicos que são assimilados para o nosso vocabulário corrente e que por vezes deturpamos inconscientemente o seu significado original.

Em sociologia isso é muito frequente pois os seus principais conceitos usam terminologias do vocabulário corrente, dai a elevada probabilidade de usarmos os seus conceitos de forma leviana por pensarmos que o seu significado é o mesmo que se encontra no dicionário de sinónimos.

Nas ciências nomoteticas é já diferente porque os seus conceitos não se baseam no vocabulário corrente, o exemplo disso podemos encontrar na fotossíntese da biologia, inercia da física, a termodinâmica da química, o espaço vectorial e as equações diferenciais da matemática, etc.

Na sociologia existe um conceito largamente estudado pelos percursores desta área de conhecimento e que hoje foi assimilado no nosso vocabulário corrente, embora em certos casos com outras significações, está-se a falar concretamente do conceito de socialização.

Existem porem varias definições do conceito supracitado, mas proponho a mais simples definição que retirei da (enciclopédia virtual) Wikipedia1. No entanto a socialização pode ser entendida como a assimilação de hábitos característicos do seu grupo social, todo o processo através do qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade, assimilando a cultura que lhe é própria. É um processo contínuo que nunca se dá por terminado, realizando-se através da comunicação, sendo inicialmente pela "imitação" para se tornar mais sociável.

O caracter continuo incutido no conceito remete-nos a ideia de um processo sem fim. Já diz o adagio popular que morremos sempre a aprender. Durkheim (1983)2, Weber (1920)3 e Simmel (1992)4 sao tidos como os propulsores dos estudos a volta do conceito, depois destes varios outros estudiosos da área como Mead (1934)5, Parsons (1955)6, Piaget (1975)7, Habermas (1973)8 e Luhmann (1987)9, prosseguiram com as suas pesquisas em torno deste conceito.

A socialização no entanto que um processo de aprendizagem, de forma a nos integrarmos ao nosso grupo de pertença, começa na família desde a tenra idade. A isto chamamos de socialização primaria. É neste ambiente em que por exemplo aprendemos a não expelir gazes, arrotar, ou falar com a boca cheia durante a refeição. Mas como disse antes, estes ensinamentos e aprendizados prosseguem aos demais espaços sociais de convivência ou de relacionamento inter pessoais como a escola, o local de trabalho, as instituições totais como as prisões, os internatos, etc. Estou desta forma a querer concordar com Parsons (1955) – o sociólogo americano, e os alemães Luhmman (1987) e Simmel (1992). Neste processo complexo de aprendizagem ocorre aquilo que em sociologia se chama de aculturação, inculturação, transculturação, etc.

Na aculturação existe uma troca de valores entre os actores que interagem entre si, fazendo com que estes se misturem dando origem a novos valores de uma nova cultura. Na inculturação, o individuo incorpora para o seu estilo de vida novos valores provenientes da influencia do seu meio, e neste caso concreto das pessoas com quem interage. A transculturação, não muito diferente da inculturação ocorre quando o individuo adopta para si valores diferentes dos seus podendo ou não abandonar os seus valores culturais ou mesmo costumes.

Autores como Leopold von Wiese (1931, 1933) e Norbert Elias (1939, 1970) exploram o conceito de socializacao como um processo continuo sobretudo quando se baseam na concepção simmeliana de Vergesellschaftung que se poderia traduzir como “ processos de socialização”.

É comum nos nossos círculos de reflexão e debates sobre assuntos da actualidade ouvir-se falar de ressocialização, principalmente quando se fala da questão ligada aos reclusos. O termo ressocializar remete-nos a ideia de uma nova socialização ou seja da repetição de algo interrompido a um dado momento. Isto é uma clara negação do principio da socialização como um processo continuo e assim sendo poderia ser algo descontextualizado do circulo sociológico.

A expressão talvez apropriada para o que se chama vulgarmente de ressocialização seria “reintegração social”; conceito durkhemiano que expressa a situação em que um determinado individuo volta a assumir os valores do seu grupo de pertença.

Quer em sociologia jurídica quer em criminologia, os conceitos análogos a socialização como por exemplo a reintegração social, desintegração social versus desvio, são muito comuns. O desvio ou simplesmente os comportamentos desviantes ocorrem como parte do processo de socialização do individuo. Nos círculos de amizades o mesmo pode adquirir novos valores que se desvirtuam do que é aceite no seu espaço normal de convivência. Assumindo tais valores pode-se chegar consequentemente a comportamentos desviantes que normalmente sao sancionáveis quer por instrumentos jurídico-legais, quer pela rejeição moral do desviante. Nesse caso, a sociedade só aceita o seu membro de volta após notar nele o regresso a conduta tida nos padrões do seu espaço social. Nesse caso o actor desviante passa por uma reintegração social ao reassumir os valores sociais ora abandonados. Esta é a explicação simplificada de um longo processo que envolve simultaneamente varias etapas na socialização que conforme disse, ocorre por inculturação, aculturação, transculturação, e por ai em diante.

O que se tem vulgarmente denominado de ressocialização pode ser encontrado em algumas literaturas mas não com o sentido que é vulgarmente entendido no senso comum. O dicionário10 de sociologia da Porto Editora refere por exemplo que “qualquer processo de socialização pode ser considerado uma ressocialização, sempre que tal implique, por parte do actor que nele se envolve uma mudança significativa no comportamento”. Ora bem, nesta abordagem, pode-se depreender que está-se perante o mesmo significado dos conceitos de aculturação e inculturação a que se fez menção anteriormente. Por outras palavras, tal mudança significativa de comportamento não e' passível de julgamentos valorativos. Não obstante pode-se considerar que nesta acepção a mudança para um comportamento desviante quanto para uma reintegração social ajusta-se a ideia de ressocialização da Porto Editora, e como temos vindo a mencionar a aludida ressocialização nada tem a ver com a reintegração social como teimam os leigos.

Não precisamos de ser juristas, antropólogos, linguistas, ou sociólogos para fazermos uso dos conceitos destas áreas do saber; o que importa porem é que não seja deturpada a essência do significado a si adjacente .
Temos que usar o termo alugar apenas para os bens moveis, e arrendar para os bens imóveis. Seria injusta qualquer tentativa de justificação do tipo “estou a usar um conceito do senso comum em que arrendar e alugar tem a mesma aplicação” que se diferencia porem do contexto jurídico.

Tuesday, May 12, 2009

CRÍTICA SOCIAL DA MISÉRIA OU MISÉRIA DE CRÍTICA SOCIAL: Por uma ciência social sem monopólio da objectividade e sem imperalialismo da subjectividade!

Depois de algum tempo de ausência, venho desta vez com um texto de Rildo Rafael para contribuir com mais ideias na blogsfera



Li no ano passado um artigo do Patrício Langa no seu blog, de 30 de Março de 2008, com o titulo “A consagrada família: crítica da crítica, crítica contra autoproclamados defensores dos deserdados!” e recentemente, o mesmo autor presentea-nos com um artigo com o titulo Azagaismo, de 27 de Abril de 2009 e decidi escrever este texto para em primeiro lugar parabenizar-lhe pelos excelentes artigos que escreve e também pelo facto de continuar a combater contra o “silêncio dos intelectuais” como bem escreveu o sociólogo moçambicano Hélder Jauana. O debate sobre a crítica social esta a ganhar terreno desde o ano passado quando escreveste o artigo acima citado, e sobre o artigo refiro-me:

Concordo com a ideia do Patrício Langa quando afirma no seu artigo de que a maior pobreza absoluta que assola Moçambique é a da sua “massa” crítica. Mas ao mesmo tempo acredito que ela é possível de ser combatida. Desde o momento em que possamos clarificar os critérios que usamos ou que devemos usar no debate, mesmo que muitos apareçam a condenar (o que ainda não aconteceu!), seria muito viável exigirmos seus argumentos do que apelarmos a se juntarem a uma posição, pois assim poderíamos caminhar para uma “fala com consequência”.Ao falar da crítica social recordo-me de uma emocionante e importante polémica travada por Karl Marx com Proudhon entre 1846 a 1847, a ideia base que causou esta discussão estava em torno do Materialismo histórico. Phoudom rejeitava as ideias de Marx e tinha dado ao seu livro o título de “Sistemas de Contradições Económicas e o subtítulo “A Filosofia da Miséria” em retaliação ao posicionamento acima, Marx escreveu em Francês uma obra de contestação com o titulo “A Miseria da Filosofia”. O nível de discussão entre estes interlocutores era mesmo com base em pressupostos argumentativos, basta reparar pelos títulos que os mesmos atribuiram as posições de cada um e a coerência dos seus argumentos.

Interessa recuperar a discussão deste senhores para falar da crítica social, assunto que vem sendo muito debatido na nossa esfera pública, e em particular nos bloggs. Os leitores devem estar a procurar saber o que realmente pretendo abordar neste pequeno “texticuluzito”. Todas as questões acima levantadas apenas pretendem dar conta da dicotomia subjectividade/objectividade científica nas análises, reflexões e crítica social. Intelectuais, músicos e outros actores sociais tem visto as suas opiniões, letras de músicas classificadas dentro destas teias de análises construidas no campo da ciência.

Ao expormos as letras de certos músicos nos blogs ou ainda, pelo facto de considerarmos que certos músicos tornaram-se famosos internamente (Moçambique) e internacionalmente estaremos a ter alguma atitude subjectiva ou objectiva? Porquê? Será que as músicas do Azagaia constituem crítica social? O que será uma crítica social? Porquê certos fazedores das ciências sociais mediatizam o Azagaia? Quem escreve as letras do Azagaia? Porquê tanta teoria de conspiração em torno das músicas do Azagaia, alguem se lembra das músicas dos Gorwane? Em tempos quem é que as escrevia!!! Porquê? Que ligação se pode fazer entre Azagaia e MDM ou entre MC Roger e PIMO ou Frelimo? Será que as nossas músicas são reveladoras de algum posicionamento político?

Quando a agenda do debate nos blogs é a questão de como fazer crítica social, ou seja, que critérios usar para fazer a crítica social, bem como de se estabelecer a tipologia dos críticos sociais que se agrupam em duas alas se não estou enganado, os “críticos sociais da plausibilidade” e os considerados “críticos sociais anti-governo”, que padecem do Äzagaismo, que no entendimento de Patrício é uma espécie de doença nervosa que se caracteriza pela vontade de criticar. É uma neurose que provoca uma eclipse da razão nas pessoas afectadas devido a presença de altos níveis de vontade de criticar. A vontade de criticar (de preferência aos governos) (...) (Patrício Langa).

Uma coisa interessante que a manifestação do dia 5 de Fevereiro de 2008 proporcionou, deixando de fora a violência praticada, foi esta longa cadeia de crítica com vontade de criticar que tem como centro o Governo, isto quer dizer, que de um lado temos os críticos que sofrem do Azagaismo,, os defensores dos deserdados”, e por outro lado os “críticos dos críticos da plausibilidade” que olham para a plausibilidade (quem me dera sempre!) dos argumentos. Não vejo nenhum problema de um indivíduo que tenha queda para fazer crítica ou vontade de criticar, mas criticar bem as coisas, ou seja, interpela-las socorrendo-se em pressupostos que sejam claros para os que recebem a crítica mesmo que de governo se tratasse. Pois um indivíduo sem nenhuma vontade de criticar pode sofrer se calhar de outro tipo de neurose.

Percebo que só um grupo muito restrito (críticos dos críticos) que dispões de ferramentas de debate, ou seja dos critérios do debate, que fazem o uso da crítica social, que vem sendo copiosamente rejeitada pelos críticos azagaistas. Parece que em Moçambique esta a ganhar terreno a simples ideia de que quem falar da miséria, da exclusão social, da pobreza, é automaticamente visto como um azagaista que só pensa em atacar o Governo, aqui também esta patente um erro de procedimento, o famoso julgamento das intenções. Acho estranho o centralismo que se estabelece pelos críticos ou críticos dos críticos a esta simples formula “pró governo ou contra governo”. Outra situação que os bloggs proporcionam é a recusa frequente ao erro, vezes são tantas que alguns bloggistas embelezam suas ideias ou entendimento após uma forte crítica. Quantas vezes acusamos outros leitores de não terem compreendido as nossas ideias para depois aprimorá-las na explicação para não errarmos, os tais intelectuais sem “defeitos”.

Talvez o problema seja a dificuldade de perceber o que na essência significa “crítica social”! Crítica Social discute as estruturas sociais e visa solucções práticas através de reformas radicais de mudanças ou revoluccionárias. Olavo de Cravalho "toda uma crítica que pretenda ter algum fundamenmto so pode ser baseada na premisssa de que haja na consciência do homem uma dimensao que transcende de algum modo a sociedade presente e na qual ela possa instalar-se. Portanto podemos ter a crítica a diferentes formas (socialismo, anarquismo, de uma minoria de homossexuais, de um movimento social, de mulheres da Nova Esquerda. Não podemos conceber a crítica social como algo que nos une a uma ideia comum. Isto não quer dizer que não possa existir diálogo entre diversos interlocutores. A crítica social pode ser expressa de diversas formas, por ficcão, romances livros infantis, documentários, peças de teatro, expressões músicais (a chamada música de protesto) com significativo impacto social.
Mediante a escala de validade objectiva podemos ter uma crítica com base na legitimidade intrísica da autoridade convocada a legitimá-las, neste primeiro ponto a autoridade do crítico pode estar baseada em premissas que nao correspondem a verdade (concepção do mundo no eu da autoridade). Poderemos também ter maior ou menor consistência lógica entre a autoridade legitimadora e o conteúdo da crítica, no segundo caso, a dedução elaborada mesmo de uma fonte fidedigna pode não obedecer a coerência lógica e não ser suficientemente válida. Portanto ninguém pode afirmar que tudo o que diz é objectivo, pois dentro de um texto objectivo há sempre um homem muito subjectivo. Devemos prostituir as nossas ideias para que possamos estar sujeitos a análises. Só assim produziremos ideias consistentes.

Há um provérbio na língua sena que diz o seguinte ndzerumbawiri: o bom juízo é o de duas pessoas (literalmente quer dizer que o juízo são dois) este provérbio pretende referir que uma pessoa sozinha engana-se. É preciso contrastar opiniões, consultar e ouvir os outros. A palavra e sabedoria de varias pessoas merecem atenção respeito-contrariamente a mentalidade de sabe tudo.

Fico bastante preocupado com o silêncio de certos intelectuais, muitos mascarados de académicos, grandes analistas, mas que de académicos apenas paira uma arrogância excessiva, tem como a sua religião o culto da perfeição, não reagem aos questionamentos sobre as suas ideias, preferem congela-las em frigoríficos de altas capacidades, para que ninguém possa alcança-los, muitas vezes não reagimos as críticas mas esperamos que os outros façam as nossas críticas, uma especie de fuga ao fisco sociologico, esses devem vergar diante das ciências sociais.

Num livro de Pierre Jaccard com o titulo “introdução às ciências sociais”, o professor Irving L. Horowitz propõe que se coloque de lado o falso dualismo ciência e valor, objectividade e interesse humano. Pois para Jaccard a objectividade excessivamente assumida tende a proporcionar, em decorrente do seu próprio vazio, dependências sem consciência a doutrinas de pensamento ou a resignações que nada ostentam de científico
Da mesma forma que Max Weber no principio do século XX glorificava a Prússia sem querer ao fazer o elogio da disciplina. Ninguém esta isento da influencia dos preconceitos da classe, nação, grupo politico, religião a que pertence. Entre o dogmatismo revelado por uns e o parcialismo omitido de outros, há espaço para uma ciência do homem na medida em que se reconheça as suas possibilidades e os seus limites. O professor Macamo se refere a isto afirmando que não podemos ter o monopólio da objectividade, e eu digo que muitos intelectuais são imperialistas da subjectividade, ou seja, apenas sabem acusar os outros de subjectivos. Tem dificuldades de olhar para os seus próprios pronunciamentos, ou seja, os seus preconceitos são objectivamente explicados a luz de um tal ciência pura, estes devem assustar aos intelectuais que ainda reconhecem que são humanos, que tem a objectividade não como um príncipio em si, mas sim como uma meta a chegar, estes estarão mais atreitos a procurar tentar ser objectivo do que os que já ostentam o apelido de objectivos.

A Internet, sobretudo os blogs proporcionam uma oportunidade e espaço para se expor ideias, a pessoas que outrora não encontravam mecanismos de publicação em jornais, revistas cientificas, e algumas editoras. A mesma possibilita um lugar para fazer crítica a um “sujeito ausente”, ou seja, na relação face a face, como corolário desta situação assistimos a emergência de novos “rotulos” ou “insultos grosseiros” que eu acredito que não seriam proferidos numa situação de co-presença física, podemos começar a criticar isso também (isto é também miséria de crítica social). Vou concordar com o Obed L. Khan quando fala da importância dos rótulos para dar uma certa emoção ao debate. Mas entendo que estes rótulos devem apenas circunscrever-se a nível das ideias e não no ser em si (pessoa). Vamos consagrar as ideias

Aqueles que lhe acusarem de algo ter feito, ou seja de estar ao lado ou a defender o Governo, mas se a sua consciência estiver tranquila, não faça mais nada duvidai e demonstrai com base em argumentos que faz a crítica social “objectiva!”. E aqueles que o acusarem de só atacar o Governo no seu exercício da crítica, também duvidai e mostrai que faz uma crítica social com base em argumentos. Enquanto a condição humana fazer parte de um dos pressupostos bastante influenciadores dos nossos posicionamentos, somos todos objectivos e subjectivos em diversos momentos, mesmo que muitos de nos aposte significativamente numa ciência objectiva como um ideal superior possível, enquanto não recusa da influência dos preconceitos, como ponto de partida para roptura epistemológica.

Monday, January 26, 2009

Efeito calçadão

O Calçadão de Maputo fica situado junto à praia da Miramar, mais ou menos, no troço da Av. Marginal que abrange quase toda a zona do Centro de Conferências Joaquim Chissano até ao famoso Coconuts. É um local interessante pela forma como se aprensenta e pela maneira como os citadinos fazem uso dele. O nome surge provavelmente pela imitação ao calçadão brasileiro que suponho ser muito diferente do moçambicano.
Frequentam aquele local gente de quase todas as faixas etárias e de ambos os sexos; cidadãos de diferentes estratos sociais; diferentes grupos étnicos, cores partidárias, etc. No calçadão cruzam-se patrões e empregadas domésticas; chefes e subordinados; vizinhos, e varias outras díades.
Numa observação minuciosa pode-se perceber que cada categoria social que frequenta o local tem interesses distintos. Uns vão simplesmente para contemplar o ambiente e a festa do momento; os outros vão para se exibirem de qualquer coisa que tenham como trunfo na manga; alguns vão para se embriagar da cerveja que por lá abunda, e os outros ainda vão com o intuito de produzir receitas para o seu auto-sustento.
Jovens de tronco nu exibem no calcadão os músculos fabricados pela fisicultura praticada nos ginasiuns da praça; os patricinhos exibem descaradamente viaturas luxuosas aproveitando-se da ocasião para porem o som da música ao volume mais alto possivel como forma de mostrar que são os eleitos da terra. As raparigas não se fazem para trás. De roupas sensuais e noutros casos quase semi-nuas exibem tudo o que têm de bom e de melhor tornando-se desfrutáveis depois do txiling.
Os outros aproveitam o momento para vender a sua mercadoria; desde a magumba e o frango grelhados com xima, batata frita e salada, o álcool, estupefacientes; e as mais desinibidas não perdem a ocasião para se prostituirem. O que têm em comum é o sentido oportunista que lhes leva a tirarem proveito do momento para produzirem receitas para o auto-sustento.
Alguns dos que vão em busca da embriaguês chegam a passar cerca de dois dias seguidos sem se quer regressarem a casa; pois as condições lhes são favoraveis. Comem e bebem; quando cansados dormem no interior do seu Nissan Patrol ou Jeep Cherokee; quando necessitam de banho mergulham nas águas sujas da Baia de Maputo; quando sentem necessidades fisiologicas não se importam do urinorio e fecalismo a ceu aberto, e assim em diante.
As regras não são muito bem claras no calcadão. Cada um estaciona a sua viatura onde e como bem lhe apetecer; nem que para isso os outros vejam o seu acesso à estrada bloqueado por outra viatura. Quando isso acontece em outros locais da cidade de Maputo, a policia camarária não perde a oportunidade para rebocar e multar a viatura mal estacionada. Em contrapartida no calçadão nenhuma viatura é rebocada por mau estacionamento. Nenhum automobilista é sancionado por condução em estado de embriagues embora haja no local um desfile de agentes da PRM e da polícia camarária. Os primeiros fazem um autêntico desfile exibicionista, numa tentativa de demonstração de forças. Munidos de coletes a prova de balas, empunhando armas do tipo AK 47 e com um olhar rude, os agentes da PRM circulam em viaturas típicas tentando convencer aos seus espectadores que estão a patrulhar a área em prol da ordem e tranquilidade públicas.
Como deixei transparecer antes, no calçadão não há sanitários públicos, não há latas de lixo todavia é um dos locais que mais resíduos sólidos produz e mais se urina em locais impróprios devido o efeito do álcool.
Sufocados pelas necessidades fisiológicas, rapazes e raparigas disputam o espaço que separa a viatura estacionada do capim ou muro para se livrarem dos seus excrementos. Não há pudor naquele local, quer entre os homens quer entre as mulheres, pois as condições existentes assim o favorecem.
O calçadão tem uma mensagem muito interessante. Esse espaço transmite a essência da mocambicanidade que se esconde por detrás dos fatos e gravatas dos dirigentes deste pais.
As barracas que pululam no local operam sob o licenciamento das autoridades municipais tanto quanto governamentais – Ministério da Indústria e Comércio. Tais autoridades têm a noção da falta de sanitários públicos nos locais onde elas operam, no entanto pouco ou nada mesmo é feito de modo a reverter-se o cenário.
A condução em estado de embriagues é penalizada em outros locais de Moçambique com a excepção do calcadão. Só um azarado é que pode ser penalizado, no sítio, por conduzir sob efeitos do álcool. O estacionamento desordenado não implica nenhum sancionamento por parte das autoridades municipais e/ou governamentais naquele local embora elas tenham o conhecimento do caos que ali se vive.
Os activistas das instituições que trabalham no combate ao HIV/SIDA têm conhecimento do comportamentos de risco que se vive no calçadão o que pode aumentar os índices de infecção por esta pandemia, mas ninguém toma alguma medida para controlar o cenário.
No calçadão há roubo de telemóveis e um pouco mais de problemas que preocupam a ordem social, mas todos vêm e quase ninguem faz algo para promover mudanças. Em suma, neste submundo existe uma cultura que os governantes não controlam porque fazem parte dela. É um submundo com leis próprias, ordem típica e uma cultura que só ali faz sentido. É a isto que chamei de efeito calçadão que surge pela exteriorização da cultura do deixa-andar impregnada naqueles que têm a tarefa de pôr ordem onde ela parece ausente.

Thursday, January 15, 2009

Crenças em volta do SIDA

O fenomeno SIDA é para mim muito interessante não pelos infortúnios que tem causado no nosso país mas pela forma como é encarado.
Podia até escrever um livro com o título “As religiões e as crenças em torno do SIDA”. Muitas das propostas, medidas, e estratégias de combate ao SIDA em Moçambique parece-me resultar de crenças individuais ou grupais. Temos por exemplo a crença de que podemos resolver o problema bombardeando as pessoas com slogans violentos e de terror sobre a pandemia; acredita-se também sobre a possibilidade de resolver a questão aumentando o preço das bebidas alcoólicas; alguns até já estão a planejar medidas que pautam pela testagem obrigatória em locais apropriados; outras ideias começam a apelar pela distribuição de géneros alimentícios às famílias carenciadas como forma de combater a SIDA. Ora bem, crenças são mesmo crenças. O projecto comida pelo trabalho foi concebido também para ajudar as pessoas mais carenciadas de Moçambique, por outro lado, não acredito que só consumindo o álcool é que as pessoas enveredam pelo comportamento de risco. Muitos são os indivíduos que de consciência sã pautam pelo sexo desprotegido.
Da mesma forma como existem várias crenças religiosas, existem também várias crenças em torno das medidas eficazes no combate ao SIDA. Considero de crenças porque me parece que tais medidas não resultam de algum estudo ou pesquisa aprofundada sobre o cerne da questão. São estratégias que surgem porque um grupo de gente influente acredita que tal medida pode resultar num sucesso. Mas porque a crença resulta de uma percepção subjectiva da realidade o resultado é que as medidas até então empreendidas não têm surtido efeitos desejados, o que já é do conhecimento do poder político-administrativo.
Num artigo – Mastering science in the South – de Maurizio Iaccarino, ex-secretário geral da UNESCO, publicado na revista Science & Society, o autor afirma que a maior parte dos problemas que infermam aos países do Terceiro Mundo resultam da ausência da cultura de pesquisa e a pouca importância que dão a esse campo. Isso lembrou-me as palavras de um ministro moçambicano que tentou descaradamente afirmar que o país não precisa de ciências sociais para promover o seu desenvolvimento. Como disse antes, poderia também afirmar que ele manifestou publicamente uma das suas crenças ou convicções pessoais. E se depender de pessoas que fazem fé nesta crença vai-se procurar guerrear o SIDA apenas com um exército de cientistas nomotéticos – das ciências exactas – como os físicos, agrónomos, geólogos, mecánicos, astrónomos, etc. E se até lá algo falhar provavelmente surgirão outras crenças para o combate ao SIDA.