Friday, March 02, 2007

A FRELIMO não presta

Ouvimos, vezes incontáveis, acusações para aqui e acolá sobre a imoralidade ou incompetência dos dirigentes moçambicanos. Por coincidência tais dirigentes pertencem quase que na sua totalidade ao Partido FRELIMO, que desde a independência conduz o destino deste país. Após 32 anos de governação frelimista, Moçambique aparece em 2006, na 10ª posição[1] entre os países mais pobres do mundo, facto que vem enaltecer as acusações que pululam na boca dos descontentes desta situação.
Moçambique vive maioritariamente da ajuda externa e em casos de emergência causadas pelas intempéries da natureza (cheias de 2000, na região sul e as cheias de 2007 na região centro), a nossa diplomacia consegue atrair investimentos extra orçamentais.
Desde as primeiras eleições realizadas em 1994, “Cerca de 400 milhões de dólares norte-americanos foram investidos, pela comunidade internacional, na área da consolidação da democracia em Moçambique.
[...] Mar De Tollenaere, que já foi funcionário do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Moçambique, do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) e da Unidade Técnica de Reforma do Sector Publico (UTRESP), afirmou que aquele valor representa menos de cinco porcento do total da ajuda externa canalizada a Moçambique nos últimos 10 anos[2]”.
Os investimentos canalizados para a economia moçambicana poderiam quiçá elevar o desenvolvimento sócio económico do país para um nível acima do que se encontra actualmente. Embora os relatórios governamentais e da comunidade internacional digam o contrário, a meta está muito aquém da realidade.
“A FRELIMO não presta” é como os telespectadores do jogo da governação julgam a administração que conduz o destino do nosso país. Na tentativa de encontrar alguma explicação para os demais fracassos da máquina burocrática nacional, há que fabricar o bode expiatório, e neste caso voila – a FRELIMO.

Os factos supracitados remetem-nos à um raciocínio muito simples no sentido de encontrar o cúmplice de todos os desencantos atravessados pelo país. Estamos a falar das disfunções da burocracia na função pública, o lixo que grassa a capital do país, as estradas esburacadas, os esgotos rebentados pelas artérias da cidade, os semáforos avariados, a eterna demora na emissão dos BI’s pela DIC, as publicidades enganosas, a falta de criatividade nos programas de TV, o crime organizado, os relatórios forjados das instituições públicas, a indisciplina dos chapeiros, o oportunismo da polícia de trânsito, etc. Todos estes problemas são imputados ao bode expiatório dos moçambicanos.
Tomaria neste momento a ousadia de afirmar peremptoriamente sobre o lado funcional desta atitude que caracteriza o cerne da identidade moçambicana. Esta, conduz-nos à um comodismo tal, que nos livra da auto-crítica, imputando deste modo uma total responsabilização ao Governo pelo Desenvolvimento do país. A funcionalidade desta postura, está no facto de nos trazer uma paz de espírito ao arredarmo-nos de todo o tipo de culpabilidades sobre a estagnação de Moçambique. Mas ao mesmo tempo, este comodismo, e paz de espírito, é conjunturalmente fatal por basear-se uma convicção ilusória e desprovida de qualquer análise sustentável sobre a situação em causa. O todo é feito pelas partes, assim, esquecemo-nos que o comportamento de cada um de nós tem alguma influência sobre o sistema.
A FRELIMO vem deste modo espiar as nossas incompetências, hábitos e costumes que contribuem negativamente para o desenvolvimento sócio-económico do país.
Não se pretende com isto desresponsabilizar as insuficiências deste partido. Como qualquer instituição de cariz político, é normal que nas suas directivas organizacionais cometam um e outro atropelo, mas não é por isso que devemos deixar de olhar para as nossas práticas costumeiras, como indivíduos singulares, e que são nocivas ao desenvolvimento do país.
A FRELIMO, como um todo, é constituída por indivíduos singulares que acreditam em valores ético e morais, que têm uma certa postura, hábitos, sobretudo com uma certa personalidade e/ou identidade próprias. Estes por sua vez, foram socializados de igual forma que os restantes cidadãos não membros do partido em referência, o que lhes impinge uma mesma identidade no que tange aos valores partilhados. Assim sendo, o indivíduo está sujeito a comportar-se no partido a que pertence de acordo com a sua personalidade.
Tratando-se de um quadro do partido, a operar a máquina governativa do país, o indivíduo conduzirá a sua direcção de acordo com os seus valores, e convicções pessoais.
Embora os estatutos, os códigos de conduta, e a legislação em geral, sirvam para garantir a previsibilidade dos comportamentos, há que considerar a iniciativa dos indivíduos em aderir ou não ao preceituado pela instituição a que pertence, ou mesmo à sua comunidade. Foi nesse âmbito em que o conceituado sociólogo americano – Talcott Parsons - considerou que o ser humano não é um idiota cultural. A sociedade e as suas instituições criam as regras, daí, cabe ao indivíduo aceita-las ou não. Normalmente a não-aceitação dos preceitos institucionalizados rotula o indivíduo visado de desviante. Não nos vamos perder com a Sociologia dos Desvios. Foi apenas um meio para chegarmos a ideia de que os indivíduos que fazem parte da FRELIMO e do seu Governo, antes de serem frelimistas ou governantes, são também pessoas singulares com costumes próprios, que muitas vezes vão contra os valores institucionais, ético e morais.
Não é a FRELIMO quem dá orientações para se chegar ao local de trabalho com uma hora e meia de atraso. Não é este partido que ordena os moçambicanos a escreverem os seus nomes sobre as notas do Metical da Nova Família; a FRELIMO nunca disse que devíamos desenvolver a cultura do puxa-saquismo ao invés da competência técnica. Ser puxa-saco é uma questão de valores desenvolvidos por fulano ou sicrano, independentemente da sua filiação partidária, religiosa, desportiva, etc. resumindo, ser puxa-saco é um modus vivendi.
Não foi o partido no poder quem disse que as pessoas deviam urinar atrás das árvores, julgar umas as outras em função das aparências, não querer trabalhar em horas extras; chegar embriagado no posto de trabalho; largar o serviço três horas antes do preceituado pela instituição porque é sexta feira – dia dos homens - , e por ai em diante.
O fraco desenvolvimento do nosso país depende dentre vários factores, da nossa atitude como cidadãos integrantes do sistema. Parecendo que não, mas a atitude conta.
Como disse um anónimo desses slides show partilhados por e-mail, o desenvolvimento de um país não tem nada a ver com a sua idade, porque senão, o Egipto, a Grécia, a Turquia, etc. seriam as nações mais prósperas do planeta. E por sua vez, a Austrália, o Canada, e os EUA, não seriam o exemplo de crescimento sócio-económico acelerado.
O desenvolvimento não depende também exclusivamente dos recursos naturais existentes num país. O Japão é um exemplo disso, com um défice de recursos naturais, importa-os de todo o mundo, transforma-os e vende o produto acabado, fazendo de si a segunda maior economia do mundo.
Enquanto continuarmos a optar pela lei do menor esforço, como por exemplo, beber muita 2M e trabalhar pouco, andar em carros de luxo, construir mansões sem nenhum esforço no trabalho digno, dificilmente almejaremos o desenvolvimento tanto ansiado. Isto não tem nada a ver com o partido no poder. Para qualquer que seja o partido no poder, enquanto o seu governo for repleto de indivíduos que não cumprem à risca com os ditames institucionais, e tenham uma disciplina metálica, para não dizer de ferro, nada feito. Sem querer arriscar em futurismos, mas podemos prever que continuaremos a procura de um bode expiatório, para fugirmos das nossas responsabilidades, e para não assumirmos a nossa incompetência.
Neste momento, o bode expiatório encarna-se no partido dominante, razão pela qual os outros não hesitam em dizer que a FRELIMO não presta.



[1] Dados do PNUD.
http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/idh.jhtm
[2] http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/11/consolidao_da_d.html