Monday, January 26, 2009

Efeito calçadão

O Calçadão de Maputo fica situado junto à praia da Miramar, mais ou menos, no troço da Av. Marginal que abrange quase toda a zona do Centro de Conferências Joaquim Chissano até ao famoso Coconuts. É um local interessante pela forma como se aprensenta e pela maneira como os citadinos fazem uso dele. O nome surge provavelmente pela imitação ao calçadão brasileiro que suponho ser muito diferente do moçambicano.
Frequentam aquele local gente de quase todas as faixas etárias e de ambos os sexos; cidadãos de diferentes estratos sociais; diferentes grupos étnicos, cores partidárias, etc. No calçadão cruzam-se patrões e empregadas domésticas; chefes e subordinados; vizinhos, e varias outras díades.
Numa observação minuciosa pode-se perceber que cada categoria social que frequenta o local tem interesses distintos. Uns vão simplesmente para contemplar o ambiente e a festa do momento; os outros vão para se exibirem de qualquer coisa que tenham como trunfo na manga; alguns vão para se embriagar da cerveja que por lá abunda, e os outros ainda vão com o intuito de produzir receitas para o seu auto-sustento.
Jovens de tronco nu exibem no calcadão os músculos fabricados pela fisicultura praticada nos ginasiuns da praça; os patricinhos exibem descaradamente viaturas luxuosas aproveitando-se da ocasião para porem o som da música ao volume mais alto possivel como forma de mostrar que são os eleitos da terra. As raparigas não se fazem para trás. De roupas sensuais e noutros casos quase semi-nuas exibem tudo o que têm de bom e de melhor tornando-se desfrutáveis depois do txiling.
Os outros aproveitam o momento para vender a sua mercadoria; desde a magumba e o frango grelhados com xima, batata frita e salada, o álcool, estupefacientes; e as mais desinibidas não perdem a ocasião para se prostituirem. O que têm em comum é o sentido oportunista que lhes leva a tirarem proveito do momento para produzirem receitas para o auto-sustento.
Alguns dos que vão em busca da embriaguês chegam a passar cerca de dois dias seguidos sem se quer regressarem a casa; pois as condições lhes são favoraveis. Comem e bebem; quando cansados dormem no interior do seu Nissan Patrol ou Jeep Cherokee; quando necessitam de banho mergulham nas águas sujas da Baia de Maputo; quando sentem necessidades fisiologicas não se importam do urinorio e fecalismo a ceu aberto, e assim em diante.
As regras não são muito bem claras no calcadão. Cada um estaciona a sua viatura onde e como bem lhe apetecer; nem que para isso os outros vejam o seu acesso à estrada bloqueado por outra viatura. Quando isso acontece em outros locais da cidade de Maputo, a policia camarária não perde a oportunidade para rebocar e multar a viatura mal estacionada. Em contrapartida no calçadão nenhuma viatura é rebocada por mau estacionamento. Nenhum automobilista é sancionado por condução em estado de embriagues embora haja no local um desfile de agentes da PRM e da polícia camarária. Os primeiros fazem um autêntico desfile exibicionista, numa tentativa de demonstração de forças. Munidos de coletes a prova de balas, empunhando armas do tipo AK 47 e com um olhar rude, os agentes da PRM circulam em viaturas típicas tentando convencer aos seus espectadores que estão a patrulhar a área em prol da ordem e tranquilidade públicas.
Como deixei transparecer antes, no calçadão não há sanitários públicos, não há latas de lixo todavia é um dos locais que mais resíduos sólidos produz e mais se urina em locais impróprios devido o efeito do álcool.
Sufocados pelas necessidades fisiológicas, rapazes e raparigas disputam o espaço que separa a viatura estacionada do capim ou muro para se livrarem dos seus excrementos. Não há pudor naquele local, quer entre os homens quer entre as mulheres, pois as condições existentes assim o favorecem.
O calçadão tem uma mensagem muito interessante. Esse espaço transmite a essência da mocambicanidade que se esconde por detrás dos fatos e gravatas dos dirigentes deste pais.
As barracas que pululam no local operam sob o licenciamento das autoridades municipais tanto quanto governamentais – Ministério da Indústria e Comércio. Tais autoridades têm a noção da falta de sanitários públicos nos locais onde elas operam, no entanto pouco ou nada mesmo é feito de modo a reverter-se o cenário.
A condução em estado de embriagues é penalizada em outros locais de Moçambique com a excepção do calcadão. Só um azarado é que pode ser penalizado, no sítio, por conduzir sob efeitos do álcool. O estacionamento desordenado não implica nenhum sancionamento por parte das autoridades municipais e/ou governamentais naquele local embora elas tenham o conhecimento do caos que ali se vive.
Os activistas das instituições que trabalham no combate ao HIV/SIDA têm conhecimento do comportamentos de risco que se vive no calçadão o que pode aumentar os índices de infecção por esta pandemia, mas ninguém toma alguma medida para controlar o cenário.
No calçadão há roubo de telemóveis e um pouco mais de problemas que preocupam a ordem social, mas todos vêm e quase ninguem faz algo para promover mudanças. Em suma, neste submundo existe uma cultura que os governantes não controlam porque fazem parte dela. É um submundo com leis próprias, ordem típica e uma cultura que só ali faz sentido. É a isto que chamei de efeito calçadão que surge pela exteriorização da cultura do deixa-andar impregnada naqueles que têm a tarefa de pôr ordem onde ela parece ausente.

Thursday, January 15, 2009

Crenças em volta do SIDA

O fenomeno SIDA é para mim muito interessante não pelos infortúnios que tem causado no nosso país mas pela forma como é encarado.
Podia até escrever um livro com o título “As religiões e as crenças em torno do SIDA”. Muitas das propostas, medidas, e estratégias de combate ao SIDA em Moçambique parece-me resultar de crenças individuais ou grupais. Temos por exemplo a crença de que podemos resolver o problema bombardeando as pessoas com slogans violentos e de terror sobre a pandemia; acredita-se também sobre a possibilidade de resolver a questão aumentando o preço das bebidas alcoólicas; alguns até já estão a planejar medidas que pautam pela testagem obrigatória em locais apropriados; outras ideias começam a apelar pela distribuição de géneros alimentícios às famílias carenciadas como forma de combater a SIDA. Ora bem, crenças são mesmo crenças. O projecto comida pelo trabalho foi concebido também para ajudar as pessoas mais carenciadas de Moçambique, por outro lado, não acredito que só consumindo o álcool é que as pessoas enveredam pelo comportamento de risco. Muitos são os indivíduos que de consciência sã pautam pelo sexo desprotegido.
Da mesma forma como existem várias crenças religiosas, existem também várias crenças em torno das medidas eficazes no combate ao SIDA. Considero de crenças porque me parece que tais medidas não resultam de algum estudo ou pesquisa aprofundada sobre o cerne da questão. São estratégias que surgem porque um grupo de gente influente acredita que tal medida pode resultar num sucesso. Mas porque a crença resulta de uma percepção subjectiva da realidade o resultado é que as medidas até então empreendidas não têm surtido efeitos desejados, o que já é do conhecimento do poder político-administrativo.
Num artigo – Mastering science in the South – de Maurizio Iaccarino, ex-secretário geral da UNESCO, publicado na revista Science & Society, o autor afirma que a maior parte dos problemas que infermam aos países do Terceiro Mundo resultam da ausência da cultura de pesquisa e a pouca importância que dão a esse campo. Isso lembrou-me as palavras de um ministro moçambicano que tentou descaradamente afirmar que o país não precisa de ciências sociais para promover o seu desenvolvimento. Como disse antes, poderia também afirmar que ele manifestou publicamente uma das suas crenças ou convicções pessoais. E se depender de pessoas que fazem fé nesta crença vai-se procurar guerrear o SIDA apenas com um exército de cientistas nomotéticos – das ciências exactas – como os físicos, agrónomos, geólogos, mecánicos, astrónomos, etc. E se até lá algo falhar provavelmente surgirão outras crenças para o combate ao SIDA.