As desigualdades sociais são sempre alvo de críticas morais e éticas em quase todas as sociedades pelo facto de exercerem uma pressão psicológica sobre as suas vítimas.
Há quem pense que as desigualdades sociais são apenas vividas nos centros urbanos, o que não corresponde a verdade pois a estratificação social atravessa todos os aglomerados populacionais; desde as pequenas comunidades às socieades mais amplas territorialmente. Através deste texto pretende-se fazer uma leitura crítica sobre a obra intitulada Desenvolvimento Rural – Fazer dos últimos os primeiros da autoria de Robert Chambers[1].
Robert Chambers estuda a relação entre dois estratos sociais, levando-nos a compreender o que gira em torno das desigualdades sociais no meio rural. Para tal serve-se de alguns estudos de caso feitos em vários países pobres da América Latina, Ásia, África e em alguns casos vai à Europa buscar exemplos vividos nas zonas rurais da Itália.
No seu ponto de partida Chambers refere que existe um grande distanciamento entre os pobres e os ricos, que contribui para que estes dois não se conheçam efectivamente. Sendo assim realça que os ricos desenvolveram uma visão muito errada sobre os pobres servindo-se disso para rotulá-los com vários atributos pejorativos.
Vários exemplos apontados indicam que em vários cantos do mundo os ricos consideram que a condição social dos seus opostos deve-se a preguiça. Em outras culturas como a indiana, os ricos acreditam que o nosso presente é resultado dos pecados ou das boas obras efectuadas em vidas passadas, e que como consequência disso podemos ser recompensados nascendo numa família abastada ou então nascendo numa outra que nos dê como herança a pobreza.
Um exercício interessante feito por Chambers foi tentar mostrar e convencer aos seus leitores que os pobres não são pobres porque não gostam trabalhar tal como os ricos pensam. Busca para isso vários exemplos retirados de estudos de caso feitos às comunidades rurais.
[...]”Joan Mencher aponta ter entrevistado grupos de mulheres que trabalhavam no campo sob uma chuva torrencial e que disseram não fazer ideia de quanto lhes iriam pagar pelo seu dia de trabalho, mas que não tinham outra alternativa senão trabalhar”. (Chambers, 1995, p145)
Um dos factores que segundo o autor contribui para o recrudescer da pobreza é o seu círculo vicioso. Segundo ele, o pobre não tem como sair dessa condição social porque vê-se influenciado por vários outros factores que lhe aprisionam tais como a impotência, vulnerabilidade, fraqueza física, isolamento, e a própria pobreza. Estes fctores todos estão interligados enre si fazendo-se assim um círculo vicioso da pobreza, na medida em todos eles conspiram a favor desta.
A pobreza no seu entender deve ser vista do ponto de vista das propriedades ou posses como por exemplo a falta de bens materiais, afluxo de comida, dinheiro, etc.
O tema que dá título ao seu livro tem uma componente que merece especial atenção: “Fazer dos últimos os primeiros”. Estes dizeres remetem-nos para uma ideia segundo a qual o livro foi escrito com a intenção de agir sobre um determinado aspecto que caracteriza as zonas rurais. Estamos a falar da exploração dos mais abastados sobre os menos avantajados. Movido por interesses ético-morais o autor afirma (e fazendo alusão as suas crenças religiosas), que pretende mudar a órdem social vivida no meio rural.
Diz o autor que “as grandes religiões incitam à caridade; “Cristo disse ‘os últimos serão os primeiros”. O autor serve-se desta citação como alavanca para impulsionar mudanças sociais sobretudo motivado por valores religiosos que de vez em quando mostra citando passagens bíblicas como por exemplo o Livro de S. Mateus (Chambers, 1995, 141). É notória a sua abertura em relação a demostração das suas crenças religiosas.
Até certo ponto não constitui problema algum que um cientista professe alguma religião, porque antes de mais ele é um actor social inserido num determinado espaço social comungando dos seus valores. O problema começa quando não nos distanciamos de tais valores no momento em que nos posicionamos para fazer estudos ou pesquisas científicas na área das ciências sociais.
O trabalho de Chambers tem grande mérito por trazer a tona vários aspectos relacionados com a pobreza no meio rural, e permite com que os seus leitores tenham uma compreensão plausível sobre esse facto. Mas por ouro lado ele peca pela visão extremista direcionada apenas à dois polos (ricos e pobres) nos quais os primeiros têm um total desconhecimento sobre a realidade vivida pelos outros devido à distância entre ambos. Tal situação faz com que os ricos olhem para a pobreza como resultado da preguiça, idiotismo, predestinação ou até a maldição dos deuses.
Ao analisar a questão nos termos supracitados, Chambers não menciona a questão do neoriquismo (Conceito usado por Wright Mills, 1959)[2], ou seja; esquece-se de mostrar-nos qual é o entendimento dos novos-ricos sobre a pobreza. Falamos dos novos-ricos aos que um dia foram pobres e por algum motivo deixaram de sê-lo. Trazendo-nos a visão que este estrato social tem sobre os pobres, teriamos a opurtunidade de concordar ou não com a sua tese.
Na ausência da análise ora referida, fica uma penumbra que nos impede compreender se todos os ricos (os que disfrutam da riqueza desde a nascença e os novos-ricos) têm uma visão errada sobre o que condiciona a pobreza ou não.
Muito provavelmente a atitude de Chambers tenha sido intencional, porque como vimos ele direciona o Seu estudo para uma acção sobre o seu objecto de estudo, atitude esta que é deplorada em sociólogia e outras ciências sociais (Berger,P. 1980; Serra, C. 1997)[3]. Sendo assim, provavelmente o autor tenha recorrido a esta via de análise simplista na espectativa de chamar maior atenção aos leitores sobre as manifestações de poder que os ricos exercem sobre os pobres nas zonas rurais fazendo com que estes últimos permaneçam na sua condição social eternamente.
Na sua explicação sobre as causas da pobreza, diz o autor que se deve a um círculo vicioso no qual o pobre está eternamente condenado. Segundo ele o pobre encontra-se distante da Vila ou povoado com melhores condições de vida, impedindo-lhe de participar activamente nas discuções públicas que lhe ajudariam a melhorar o nível de vida. Não tem acesso a educação, é fisicamente debilitado, vulnerável às doenças e calamidades naturais, se contrai uma dívida para compromissos sociais como o casamento, ou despesas com o funeral corre o risco de se empobrecer cada vez mais, etc. Várias outras circunstâncias concorrem para que o pobre nunca saia dessa condição social. Deste ponto de vista o que Chambers faz é legitimar a ideia errada por si identintificada (logo de início) segundo a qual a pobreza era predestinada às pessoas e em certos casos tem a ver com a expiação dos pecados cometidos em vidas passadas. Simultaneamente o autor recusa-se admitir a mobilidade vertical ascendente conceito desenvolvido na sociologia que estuda as desigualdades socias. O autor tem uma visão estática dos estratos sociais, o facto pode estar associado a ideia de forçar os resultados da sua pesquisa de modo a ajustarem-se na sua teoria desenhada com fins intervencionistas.
Quer em sociologia quer nas restantes ciências socias, é fundamental que nos distanciemos das nossas prenoções e valores, se quisermos compreender devidamente a realidade que nos circunda. O estudo de Robert Chambers embora de muito mérito, é um exemplo de como a pesquisa pode ser viciada se direccionarmo-la no intuito de aplicarmos os seus resultados para um fim específico delimitado pelo cientista.
[1] Chambers, Robert (1995) Desenvolvimento Rural – Fazer dos últimos os primeiros, Luanda, ADRA (p114-148)
[2] Mills, C. Wright. 1951 [1956] White Collar: The American Middle Classes, New York: Oxford University Press.
[3] Berger, P. (1980) Perspectivas sociolóicas – Uma visão Humanística, Petrópolis, Editora Vozes
Serra, C. (1997) Combates pela mentalidade sociológica, Maputo, Livraria Universitária
Há quem pense que as desigualdades sociais são apenas vividas nos centros urbanos, o que não corresponde a verdade pois a estratificação social atravessa todos os aglomerados populacionais; desde as pequenas comunidades às socieades mais amplas territorialmente. Através deste texto pretende-se fazer uma leitura crítica sobre a obra intitulada Desenvolvimento Rural – Fazer dos últimos os primeiros da autoria de Robert Chambers[1].
Robert Chambers estuda a relação entre dois estratos sociais, levando-nos a compreender o que gira em torno das desigualdades sociais no meio rural. Para tal serve-se de alguns estudos de caso feitos em vários países pobres da América Latina, Ásia, África e em alguns casos vai à Europa buscar exemplos vividos nas zonas rurais da Itália.
No seu ponto de partida Chambers refere que existe um grande distanciamento entre os pobres e os ricos, que contribui para que estes dois não se conheçam efectivamente. Sendo assim realça que os ricos desenvolveram uma visão muito errada sobre os pobres servindo-se disso para rotulá-los com vários atributos pejorativos.
Vários exemplos apontados indicam que em vários cantos do mundo os ricos consideram que a condição social dos seus opostos deve-se a preguiça. Em outras culturas como a indiana, os ricos acreditam que o nosso presente é resultado dos pecados ou das boas obras efectuadas em vidas passadas, e que como consequência disso podemos ser recompensados nascendo numa família abastada ou então nascendo numa outra que nos dê como herança a pobreza.
Um exercício interessante feito por Chambers foi tentar mostrar e convencer aos seus leitores que os pobres não são pobres porque não gostam trabalhar tal como os ricos pensam. Busca para isso vários exemplos retirados de estudos de caso feitos às comunidades rurais.
[...]”Joan Mencher aponta ter entrevistado grupos de mulheres que trabalhavam no campo sob uma chuva torrencial e que disseram não fazer ideia de quanto lhes iriam pagar pelo seu dia de trabalho, mas que não tinham outra alternativa senão trabalhar”. (Chambers, 1995, p145)
Um dos factores que segundo o autor contribui para o recrudescer da pobreza é o seu círculo vicioso. Segundo ele, o pobre não tem como sair dessa condição social porque vê-se influenciado por vários outros factores que lhe aprisionam tais como a impotência, vulnerabilidade, fraqueza física, isolamento, e a própria pobreza. Estes fctores todos estão interligados enre si fazendo-se assim um círculo vicioso da pobreza, na medida em todos eles conspiram a favor desta.
A pobreza no seu entender deve ser vista do ponto de vista das propriedades ou posses como por exemplo a falta de bens materiais, afluxo de comida, dinheiro, etc.
O tema que dá título ao seu livro tem uma componente que merece especial atenção: “Fazer dos últimos os primeiros”. Estes dizeres remetem-nos para uma ideia segundo a qual o livro foi escrito com a intenção de agir sobre um determinado aspecto que caracteriza as zonas rurais. Estamos a falar da exploração dos mais abastados sobre os menos avantajados. Movido por interesses ético-morais o autor afirma (e fazendo alusão as suas crenças religiosas), que pretende mudar a órdem social vivida no meio rural.
Diz o autor que “as grandes religiões incitam à caridade; “Cristo disse ‘os últimos serão os primeiros”. O autor serve-se desta citação como alavanca para impulsionar mudanças sociais sobretudo motivado por valores religiosos que de vez em quando mostra citando passagens bíblicas como por exemplo o Livro de S. Mateus (Chambers, 1995, 141). É notória a sua abertura em relação a demostração das suas crenças religiosas.
Até certo ponto não constitui problema algum que um cientista professe alguma religião, porque antes de mais ele é um actor social inserido num determinado espaço social comungando dos seus valores. O problema começa quando não nos distanciamos de tais valores no momento em que nos posicionamos para fazer estudos ou pesquisas científicas na área das ciências sociais.
O trabalho de Chambers tem grande mérito por trazer a tona vários aspectos relacionados com a pobreza no meio rural, e permite com que os seus leitores tenham uma compreensão plausível sobre esse facto. Mas por ouro lado ele peca pela visão extremista direcionada apenas à dois polos (ricos e pobres) nos quais os primeiros têm um total desconhecimento sobre a realidade vivida pelos outros devido à distância entre ambos. Tal situação faz com que os ricos olhem para a pobreza como resultado da preguiça, idiotismo, predestinação ou até a maldição dos deuses.
Ao analisar a questão nos termos supracitados, Chambers não menciona a questão do neoriquismo (Conceito usado por Wright Mills, 1959)[2], ou seja; esquece-se de mostrar-nos qual é o entendimento dos novos-ricos sobre a pobreza. Falamos dos novos-ricos aos que um dia foram pobres e por algum motivo deixaram de sê-lo. Trazendo-nos a visão que este estrato social tem sobre os pobres, teriamos a opurtunidade de concordar ou não com a sua tese.
Na ausência da análise ora referida, fica uma penumbra que nos impede compreender se todos os ricos (os que disfrutam da riqueza desde a nascença e os novos-ricos) têm uma visão errada sobre o que condiciona a pobreza ou não.
Muito provavelmente a atitude de Chambers tenha sido intencional, porque como vimos ele direciona o Seu estudo para uma acção sobre o seu objecto de estudo, atitude esta que é deplorada em sociólogia e outras ciências sociais (Berger,P. 1980; Serra, C. 1997)[3]. Sendo assim, provavelmente o autor tenha recorrido a esta via de análise simplista na espectativa de chamar maior atenção aos leitores sobre as manifestações de poder que os ricos exercem sobre os pobres nas zonas rurais fazendo com que estes últimos permaneçam na sua condição social eternamente.
Na sua explicação sobre as causas da pobreza, diz o autor que se deve a um círculo vicioso no qual o pobre está eternamente condenado. Segundo ele o pobre encontra-se distante da Vila ou povoado com melhores condições de vida, impedindo-lhe de participar activamente nas discuções públicas que lhe ajudariam a melhorar o nível de vida. Não tem acesso a educação, é fisicamente debilitado, vulnerável às doenças e calamidades naturais, se contrai uma dívida para compromissos sociais como o casamento, ou despesas com o funeral corre o risco de se empobrecer cada vez mais, etc. Várias outras circunstâncias concorrem para que o pobre nunca saia dessa condição social. Deste ponto de vista o que Chambers faz é legitimar a ideia errada por si identintificada (logo de início) segundo a qual a pobreza era predestinada às pessoas e em certos casos tem a ver com a expiação dos pecados cometidos em vidas passadas. Simultaneamente o autor recusa-se admitir a mobilidade vertical ascendente conceito desenvolvido na sociologia que estuda as desigualdades socias. O autor tem uma visão estática dos estratos sociais, o facto pode estar associado a ideia de forçar os resultados da sua pesquisa de modo a ajustarem-se na sua teoria desenhada com fins intervencionistas.
Quer em sociologia quer nas restantes ciências socias, é fundamental que nos distanciemos das nossas prenoções e valores, se quisermos compreender devidamente a realidade que nos circunda. O estudo de Robert Chambers embora de muito mérito, é um exemplo de como a pesquisa pode ser viciada se direccionarmo-la no intuito de aplicarmos os seus resultados para um fim específico delimitado pelo cientista.
[1] Chambers, Robert (1995) Desenvolvimento Rural – Fazer dos últimos os primeiros, Luanda, ADRA (p114-148)
[2] Mills, C. Wright. 1951 [1956] White Collar: The American Middle Classes, New York: Oxford University Press.
[3] Berger, P. (1980) Perspectivas sociolóicas – Uma visão Humanística, Petrópolis, Editora Vozes
Serra, C. (1997) Combates pela mentalidade sociológica, Maputo, Livraria Universitária
No comments:
Post a Comment